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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Razão, crença, fantasia

Razão, Crença, Fantasia
Tatiana Palm

        É outono, frio, e onde estou é uma comunidade conhecida com Damanhur mas completamente desconhecida para mim. É para ser uma cidade diferente das cidades existentes da nossa sociedade doente. O objetivo é aprender a viver e a morrer. Como disse seu fundador que responde pelo nome de Falco: aprender a viver não é fácil uma vez que as pessoas deixam-se viver. Aprender a viver significa não ser escravo do dinheiro, da aparência, não se entupir de remédio e ser torturado pelo próprio trabalho; é reconhecer todas as formas de vida existentes, ou seja, é reintegra-se a natureza. É saber lidar com os próprios afetos, com os seus limites, enfim, é participar inteira e conscientemente de todos os aspectos de nossa existência. Cada sociedade, diz Falco, anuncia como será a sua própria morte (o seu fim), e, isso significa, cada sociedade tem o tipo de morte que merece. Se olharmos par a história, por exemplo, veremos que povos que usavam ou valorizavam a violência foram destruídos pela guerra. Em nosso tempo, o tempo do consumismo, há uma tendência ao suicídio através dos medicamentos, da comida, da bebidas, etc. O câncer, em nossa época, é uma doença típica do excesso. Há sempre um excesso: de comida, de corante, de remédio, de medo, de estresse, de ansiedade.
       Por querer fugir do adoecimento social e, consequentemente, da ausência de sentido da minha vida, por querer me sentir viva e, portanto, nascer de novo; por desejar experenciar um modo de vida comunitario ainda nao vivenciado, por ansiar redescobrir a espiritualidade perdida em alguma estrada por onde passei, por pulsar em mim o instinto de vida e por acreditar que o verdadeiro conhecimento se dá na experiência, encontrei Damanhur - a cidade da luz.
        É possivel racionalmente compreender muitas coisas, mas, não é de maneira racional que se compreende tudo o que se passa em Damanhur. Algumas coisas são compreensiveis pelo pensamento racional, como, por exemplo, a organizaçao social e política, outras, no entanto, fogem dessa dimensao racional e entram no âmbito do emocional ou da fantasia. É necessário suspender a atividade da razão e, do mesmo modo, todo o juízo para que possa ser tangível a crença, o ideal, enfim, a espiritualidade do povo damanhuriano, que mostra em sua diversidade uma unidade. É como se tudo não passasse de um grande ritual onde todas as pessoas estão em êxtase e, sintonizadas, compartilham de uma mesma experiência religiosa. Racionalmente é dificil compreender, mas se nos permitimos crer ai tudo parece mais familiar.
        Não poucas vezes me sinto culpada, mas não por não aceitar as convicçoes damanhurianas e sim por não conseguir deixar de ser exageradamente racional e, por isso, não sentir a energia que paira no ar, nem conseguir compartilhar o que é verdadeiro para cada um. Me esforço para acreditar como os outros e para tudo fazer sentido como faz para os outros. Isso que ignoro, essa força que faz acreditar naquilo que não se vê, deve ser sentida, mas enquanto a razão estiver de sentinela será difícil. O pior de tudo é que sei que o modo racional de compreder o  mundo é apenas um ponto de vista e que pode ser tão verdadeiro quanto aquele baseado na crença. Não ignoro o fato de que eu, com a minha visão de mundo, posso estar completamente enganda  por acreditar que o verdadeiro é somente aquilo que se compreende de maneira racional. Enfim, o problema está no fato de que o sentido do que é espiritual depende da crença, mas a crença é exatamente aquilo que me falta porque o racional se impõe como vigilante.
       Isso, no entanto, pode não ser como parece. Na leitura do livro: imparare a morir (Oberto Airaudi - Falco) me deparei com a frase:“O homem não se distingue dos animais pela inteligência, mas pela fantasia” e, imediatamente, compreendi que o sentido (a verdade) do que pertence ao âmbito da espiritualidade é mais do que uma questão de crença, é questão de fantasia. E, prosegue o autor, mesmo que você nao concorde com as minhas ideias, com a minha crença na reencarnação ou sobre a vida consciente das árvores e dos nimais, mesmo assim, procure usar a sua fantasia para viver de um modo um pouco mais vivo. Lembre que a imaginação cria o poder do homem. Procure ser como aqueles que criam coisas novas e não como aqueles que, por toda a sua vida, fizeram uma única e mesma coisa. Vale a pena viver só se correr o risco de usar a própria fantasia, para evitar de ser continuamente condicionado. É cômodo para um indivíduo se comportar sempre de modo previsto e, isso para mim significa, sendo racional.

Um comentário:

  1. Bom texto, acho que é por aí mesmo... E acredito também que, mesmo o sentido racional depende de um certo ato de fé e fantasia para nele depositarmos nossa confiança e nossas ilusões de controle e de previsibilidade. A diferença entre uma visão de mundo racional e uma visão de mundo fundamentada na imaginação é que a racional tende a se resumir e não ir muito além do poder de alcance de nossos sentidos, enquanto que através da imaginação podemos ir além e acrescentar a realidade nossos sonhos, nossos desejos mais sinceros de uma transformação positiva da realidade. Parafraseando Marx em um contexto completamente avesso a sua teoria poderíamos dizer, "até agora o que se fez foi tentar compreender a realidade, cabe-nos agora transformá-la", transvalorá-la em todos o seus aspectos e dimensões.

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