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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mundo, finitude, solidão

MUNDO, FINITUDE, SOLIDÃO
Tatiana Palm

         Já me falaram e não poucas vezes, algo parecido daquilo que falou Raul Seixas: você devia estar contente porque tem um emprego e o salário todo mês. Você devia estar alegre e satisfeita por morar onde mora, agradecer por ter tido sucesso na vida e estar feliz por conseguir comprar teu carro no próximo mês. Você devia estar sorrindo e orgulhosa  por ter vencido na vida, por ser uma professora que está contribuindo com sua parte para o nosso quadro social. Eu, lembrando do meu amigo, digo: ah! eu devia estar contente por ter conseguido tudo isso aí, mas confesso que estou decepcionado, sim, foi tão difícil conseguir mas agora me pergunto e daí? Eu me olho no espelho e sei que "tenho uma porção de coisas grandes prá conquistar e eu não posso ficar aí parada, sentada no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar"...       
         Por não ficar aí parada, desbravo o mundo como nunca antes desbravei, igualmente, nunca antes estive tão solitária em meu ser no mundo nem tive uma experiência tão radical da possibilidade de não mais ser amanhã. Eu aqui, você ali. Quem de nos está melhor? Eu que parto ou você que fica (em nosso doce lar)? Quem está mais seguro? E mais distante do fim? O amanhã é incerto tanto pra mim quanto pra ti e a certeza de que amanhã, ainda que finitos, continuaremos vivos é a verdade que me faz seguir. E se a verdade for mentira? Bem, então, meu fim pode ser amanhã assim como pode ser o teu, e, se for, me despeço sorrindo por estar contente, por ter conseguido tudo o que eu quis inclusive um amor como o teu. Se for o inverso? Serei (seremos) recompensada (os). Sim, sonho com a recompensa, mas não de uma vida futura e sim com uma recompensa dada pela vida vivida aqui e agora, com todos as suas dores e dissabores. Confesso, faço o que faço, pela recompensa. Ah! quão prazerosa! Se compartilhada, então é ainda maior em sua intensidade. Posso ser acusada de masoquista, mas que seja, o fato é que na recompensa que se tem depois da dor se experimenta algo divino, e, por isso mesmo, ela transcende o tempo. Prova disso é o fato de que quando em outro tempo eu recordar de uma vivencia, sempre, primeiro e antes de tudo, terei na lembrança o gosto doce do que vivenciei. Será uma recordação do prazer e da felicidade e não do desprazer e do sofrimento. Talvez se esquece facilmente daquilo que nos faz mal ou do quanto sofremos devido ao instinto de proteção e saúde, mas, talvez, seja porque a recompensa que segue da dor é sempre mais intensa e profunda do que a própria dor.

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