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domingo, 5 de setembro de 2010

Distância

Distância
Luciano Palm
          Distância é um termo de sentido relativo. A princípio o aplicamos as dimensões espaciais, a distância geográfica e física. No entanto, aplicada as dimensões temporais e internas, a distância adquire novas feições e significados. Nesse sentido, é possível que pessoas que habitem um mesmo espaço (físico e geográfico) padeçam de amarga e profunda distância espiritual (emocional, psicológica e afetiva). O contrário também é verdadeiro, por vezes, a distância espacial, além de não implicar necessariamente em distância espiritual, pode inclusive estreitar e tornar mais fortes os laços emocionais, psicológicos e afetivos.


          Há algo interessante a se observar na relação entre a distância e nossos estados de ânimo e nossas faculdades espirituais (sobretudo as da memória, imaginação e entendimento). É estranho ver como nós, seres supostamente privilegiados existencialmente, pois, somos os únicos seres a habitar três dimensões (“lares”) temporais (presente, passado e futuro); ao contrário das demais espécies que se vêem aprisionadas num eterno aqui e agora; ainda assim, por vezes, nos sentimos expropriados de um lugar existencial ao qual possamos chamar efetivamente de lar, nos sentindo descolados, fora do mundo e distantes de nós mesmos.
           Nós somos seres em trânsito. Transitamos constantemente entre o passado e o futuro, estacionando eventualmente no presente (que, na maioria das vezes, é utilizado apenas como trampolim e ponte de conexão com as outras dimensões temporais).
          Quando nos ocupamos do passado, a memória assume o “controle”, é ela que guia e orienta as atividades espirituais. Contudo, a memória é mulher, dissimulada como todas as mulheres, ela é mestra em disfarces e distorções. Em geral, quando nos voltamos para o passado, tendemos a lembrar apenas do que mais nos apraz e interessa, isto, evidentemente, quando as memórias não são marcadas por traumas ou eventos patológicos. Mas, na maioria das vezes, isentamos as memórias de todas as perturbações anímicas, dos incômodos e percalços, e as cristalizamos em imagens saudosas e aprazíveis, vendo apenas o que queremos ver. O que não deixa de ser um mecanismo de defesa da memória que, como mulher, tem seus instintos de defesa e sobrevivência bem aguçados.
          Por sua vez, quando nos ocupamos com o futuro é a imaginação quem assume as funções antes desempenhadas pela memória. A imaginação, sendo igualmente mulher, é igualmente dissimulada e possui seus instintos de defesa e sobrevivência bem apurados. Quando projetamos o futuro, o projetamos segundo a imagem e semelhança de nossos sonhos e expectativas, relativizando os riscos e dificuldades, e super-valorizando as vitórias e sucessos. Construímos assim, uma imagem aprazível, que torna possível suportar e superar as dificuldades e reveses do presente.
          Por outro lado, espremido, diminuto e acuado, temos o presente. Nele, é o entendimento quem assume as rédeas no desmpenho das funções espirituais, faculdade masculina, supostamente mais lúcida e equilibrada. Supostamente, pois, na maioria das pessoas o entendimento é uma faculdade míope e pouco desenvolvida, desse modo, seus atributos de lucidez e equilíbrio são prejudicados. Além da fragilidade do entendimento, a ocupação com o presente sofre ainda com outro aspecto que é relativizado na ocupação com o passado e com o futuro, isto é, a influência direta dos estados de ânimo e a percepção direta de nossa situação (com seus prazeres e desprazeres).

          Enfim, se não fosse a distância e o distanciamento, sequer esta reflexão seria possível. Pois, ela é a mãe da própria racionalidade, apesar do estranhamento e do desconforto que eventualmente possa causar. A distância é a mãe do tempo. E o tempo humano consiste neste constante perambular entre o passado, o presente e o futuro. Somos os passageiros do tempo nessa eterna e insondável distância e busca de nós mesmos.

2 comentários:

  1. Nao sei o que dizer!! muito bem escrito, muito claro, muito verdadeiro!! a leitura me fez lembrar de heidegger que diz que o tempo é o sentido da nossa existencia, mas sim, concordo, é o distanciamento, mitas vezes doloroso,o que pode provocar uma tal percepçao!

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  2. Como diz a musica de Nando Reis: é bom olhar pra tràs e admirar a vida que soubemos fazer ... mesmo que for pra olhar so para as coisas boas. Guardamos o que nos faz bem e isso nos faz estar de bem com o mundo.Como diz a musica: é bom olhar pra frente ... mesmo que for sò pra visualizar coisas boas, pois se antevissemos os problemas ficariamos com medo e sem coragem de mudar.

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