Sobre trabalho braçal e intelectual
Luciano Palm
O trabalho é o princípio da cultura, através dele transformamos o mundo e a nós mesmos. Um ser humano se define e constroi sua identidade através daquilo que ele faz, isto é, através de seu trabalho. Filosoficamente, o mundo ocidental gerou o problema entre teoria e práxis, delimitando uma fronteira que acabou se tornando quase um abismo, diferenciando os trabalhos braçais ou manuais e o trabalho intelectual. Sempre privilegiando e valorizando mais o último em detrimento do primeiro. Economicamente Marx disse que isto se deve ao maior tempo gasto na formação e instrução daqueles que desenvolvem atividades intelectuais, mas sabemos que tal distinção vai muito além da questão temporal, desde Sócrates e Platão, passando pelo Cristianismo, até nossos tempos as ideias tiveram mais relevância do que os fatos. Com a revolução Industrial, o mundo material ganhou nova relevância e importância para a vida, contudo, neste contexto o trabalho é acometido pela alienação e passa a ser considerado um tempo de morte (um tempo sem qualquer significado efetivo, o trabalho só é realizado por questões de sobrevivência).
E também na Era Industrial a balança continuou a pender para o lado das ideias, aqueles que desempenham atividades ociosas continuaram a receber, em geral, melhores salários do que aqueles que desenvolvem atividades manuais.
Porém, considero que seja tão bruto, limitado e despreparado para as coisas da vida aquele que apenas desenvolve trabalhos intelectuais ou ociosos, quanto aquele que, como uma mula de carga, só desenvolva trabalhos braçais. Pois, há no ser humano tantas habilidades quantas ele desenvolver e exercitar em si mesmo, de modo que, a não ser por preguiça, relaxamento ou falta de vontade alguém deixaria limitar o seu ser a poucas ou miseras habilidades, ao invés de multiplas e variadas. Além disso, ao contrário dos demais seres, que se resumem basicamente a sua animalidade, o ser humano possui um intelecto super desenvolvido que faz com que ele possa vivenciar sua espiritualidade de maneira única, diferenciando-se de todos os seres. Nesse sentido, se limitar apenas a atividades braçais significaria jogar metade de si fora, talvez a metade mais especial.
Referir-se a nossa dimensão espiritual, especialmente ao nosso intelecto, como sendo mais especial do que a dimensão corpórea, não se deve apenas a distinção com os animais. Nossa animalidade e nosso corpo são evidentemente fundamentais, nós somos nosso corpo, mesmo os pensamentos e a própria atividade intelectual não passam do resultado de atividades corporais. Contudo, é apenas por nossa espiritualidade que adquirimos autoconsciência, isto é, consciência de nós mesmos, de nossa existência e de nossa finitude.
Enquanto nossa animalidade alimenta nosso egoísmo, visando satisfazer todos nossos desejos e necessidades; nossa espiritualidade, por sua vez, nos faz ultrapassar nossas fronteiras biológicas e naturais para realizações que compreendem toda espécie, toda a humanidade. É através de nossa espiritualidade que efetuamos a transcendência, ou seja, superamos aquilo que somos e nos transformamos, modificamos a todo instante o nosso ser, evoluindo e refluindo, dependendo do tipo de transformação aplicada.
Antes de comentar o que havias escrito, pensei por varias vezes se deveria o fazer. Pois discorava de aspectos deste escrito, e como fora um de meus maiores mestres sempre se fica um pouco relutante de expor nossas discordâncias. Entretanto, inspirado por nossas conversas e discordâncias nas mesmas, nas quais, ao menos eu, sempre aprendi tanto, resolvi expor algumas destas discordâncias aqui.
ResponderExcluirPrimeiramente o uso do conceito de praxis como práticas, ações no espaço e no tempo, diferenciando-o do trabalho teórico. Me parece negar o mesmo, em vista de significar o imbricamento da ação e reflexão, como as mesmas o são. Neste sentido, também me pareceu outra questão que me incomodou no escrito. A diferenciação, com valorização ou minorização, das ações teóricas e práticas, ao invés de serem revistas como uma criação social, são inclusive reafirmadas. Assim chegando a considerar que seria apenas por nossa espiritualidade que nos seria possível tornar-mo-nos autoconscientes. Voltaria ao velho barbudo do XIX negando esta presuposição, justamente pela indivisibilidade das práticas em ação e teóricas. Neste imbricamento penso dar-se nossso processo de conscientização, o qual não dando-se em momento especifico, mas sendo constante processar-se.
Grande abraço meu irmão!
Parabéns os textos são ótimos!!!
ResponderExcluirAdorei me ajudou muito tenho certeza que irei bem na prova de amanha
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