Claustros
Luciano Palm
Certa feita, Nietzsche, em uma carta a um amigo seu chamado Perter Gast, escreveu o seguinte: Claustros vão se fazer necessários. Atualmente, esta frase adquiriu um significado especial para mim. Como já disse em outra ocasião, palavras são seres mutantes, de repente, sem nenhum motivo especial ou aviso prévio, elas mudam de significado, adquirem novas roupagens e sentidos (continuam com os mesmos sons, a mesma fonética, mas as imagens e representações que descortinam em nosso íntimo, são outros, diferentes daquelas que outrora se apresentavam a nossa consciência).
Contudo, voltemos aos claustros. A princípio, quando pensamos em claustros e suas possíveis significações, tendemos a representá-los como lugares ermos, áridos, uma espécie de prisão. Porém, segundo o que comentei anterormente sobre o caráter mutante das palavras, para mim, o claustro certamente representa um momento de solidão, mas não uma prisão ou confinamento, senão uma oportunidade de diálogo consigo mesmo. É deveras importante, quiçá fundamental, que um ser humano consiga dialogar sincera- e francamente consigo mesmo (a fim de aparar as arestas e abandonar os sobre-pesos de sua bagagem existencial. Pois, somente desse modo ele conseguirá se movimentar com mais agilidade, leveza e fibra.
Resta ainda esclarecer por quê e como este diálogo no claustro é tão importante, fundamental inclusive (como ressaltado anteriormente). Pois bem, quando nos ocupamos com as coisas do mundo e com os outros, esquecemos de nós mesmos e somos completamente absorvidos por esta alteridade (ou como formulou muito bem Heidegger, dizendo que nesta condição desfrutamos ou estamos em uma condição existencial inautêntica). A grande maioria das pessoas, permanecem nessa inautenticidade por toda sua existência, sendo determinadas e moldadas por aquilo que se passa a sua volta, suas existências são maracadas pela constante exterioridade, que é internalizada, configurando assim, os seus seres (suas compreensões de mundo, suas convicções, o seu sim e o seu não para as coisas, sua moral, o seu ethos, tudo determinado pela exterioridade).
O mergulho no próprio íntimo, neste claustro que é condição e abertura para um diálogo consigo mesmo, exige, sem dúvida, coragem e preparo. Caso não se reúna ou se careça desta estrutura íntima necessária para o claustro, tal experiência pode ser funesta, devastadora inclusive. Os Antigos, Aristóteles sobretudo (mas a Antiguidade em geral) ressaltam a importância da chamada fortaleza de espírito. A meu ver, o resgate dessa noção é bem-vinda nesta reflexão. O que seria então tal fortaleza, senão a força ou a potência íntima no domínio e na capacidade de recusar tudo aquilo que possa esmorecer nossa vontade de potência (para utilizar um importante conceito nietzschiano).
No entanto, quando a Antiguidade se pronunciava sobre a fortaleza de espírito, colocava a questão mais no sentido da necessidade do domínio e controle de nossas volições (em uma palavra, de nossa animalidade) pela razão. Também Platão, quando constrói sua alegoria do condutor de carruagem, fará uma analogia entre os cavalos (que conduzem e dão tração à carruagem) e nossa vontade, nossas volições. Enquanto o condutor representaria a razão, e, é ela quem deve dar o destino, o rumo para o qual a carruagem (nós e nossas existências) deva ser conduzida. Nesse sentido, uma carruagem com um mau condutor, com um condutor frágil ou até mesmo sem condutor, é uma carruagem que vaga perdida pelos caminhos da vida e dificilmente chegará a algum lugar.
Colocando as coisas nestes termos, poder-se-ia erroneamente considerar que eu fosse um defensor dogmático da fortaleza de espírito, tal qual fora apresentada pelos pensadores da Antiguidade. Essa certamente não é minha intenção, eu poderia inclusive argumentar que sou demasiadamente nietzschiano para isto, não poderia decretar alguma espécie de império da razão após a filosofia de Nietzsche, Heidegger, Adorno, Horkheimer, Sartre, Camus e tanos outros. Desse modo, teremos agora de operar a transvaloração, ou seja, teremos que resignificar o conceito da fortaleza de espírito, a fim de que ele esteja de acordo com o propósito e as intenções da presente reflexão.
Nesse sentido, antes de elucidar o sentido em que compreendo o conceito em questão, isto é, a fortaleza de espírito, eu gostaria apenas de esclarecer uma coisa: Jamais pretendi, assim como não pretendo, me colocar na posição de algum tipo de guru ou conselheiro espiritual. Nada seria mais repugnante e repulsivo para mim. Porque acredito que alguém que se coloque em tal posição, quem se sinta no direito de dar sugestões ou conselhos para outrem, trata os outros tal qual crianças ou seres incapazes de tomar suas próprias decisões, ou seja, todo e qualquer guru considera que as outras pessoas não tenham um Juízo suficientemente maduro e lúcido para efetuar suas próprias escolhas. Assim, o que direi a partir de agora sobre a fortaleza de espírito, é o resultado de observações e experiências pessoais e de minhas reflexões sobre o tema.
Inicialmente, digo que se pudesse dizer uma única coisa a alguém querido com quem cruzasse rapidamente nesta existência, eu diria o seguinte: _ Respiração é tudo. Preste muita atenção em sua respiração.
Por que? Porque, conforme disse em outra ocasião, harmonia e equilíbrio são fundamentais para uma existência saudável. A partir de agora falarei sobretudo na harmonia, dado que o equilíbrio nos remete, na maioria das vezes, a noção de uma simetria proporcional, enquanto que, em alguns momentos, a harmonia poderá permear (permitir e exigir inclusive) alguns excessos. Sem dúvida, o equilíbrio é necessário, tanto o equilíbrio espacial, que advém da consciência de nossa corporeidade, quanto o equilíbrio dietético, na intenção de se evitar comportamentos e hábitos auto-destrutivos. Mas, se o equilíbrio é necessário, a harmonia é fundamental.
Nesse sentido, quando penso na harmonia, descortina-se para mim o universo musical e com ele dois outros elementos importantíssimos, quais sejam, ritmo e frequência. É necessário atentarmos para o ritmo em que estamos conduzindo nossas existências (cada coisa a seu tempo e com o tempo devido para sua execução ou desfrute, atropê-los só geram equívocos). Assim como precisamos, de tempos em tempos, avaliar se estamos vibrando na mesma frequência de nossas intenções, pensamentos e sentimentos. Pois, não raro, algumas pessoas (com as melhores intenções) são traídas por suas ações, ou então, sabem teoricamente o que seria melhor para si ou para o mundo, mas sua praxis não condiz com seu pensamento, ou ainda, há pessoas que, por exemplo, dizem amar ou querer bem a outrem, enquanto que só o fazem sofrer, lançando à pessoa supostamente amada só palavras e gestos de dor e sofrimento. Desse modo, harmonia é, em última instância, ritmo e frequência.
Podemos dizer, que a harmonia consiste numa condição existencial satisfatória (certamente não isenta de angústias e inquietações, porque isto é impossível a um ser humano). Para tal condição ser alcançada, a respiração é um aspecto fundamental, mas não o único. Por mais que nos tenham saturado os ratos de academia, com seus músculos ôcos, exercícios físicos regulares também são importantes, sobretudo àqueles que desempenhem profissionalmente atividades intelectuais ou outra atividade sedentária. Assim, como uma boa alimentação e um comportamento do qual não tenhamos que nos envergonhar ou que gere algum tipo de culpa ou peso na consciência. Julgo todos esses aspectos importantes para o desfrute de uma condição existencial harmônica. No entanto, é importante lembrar que tais atitudes e comportamentos não valem como uma receita existencial. Quantos encontraram esta harmonia existencial nas raias do excesso e da desmedida. Então, cada qual deve encontrar o seu próprio "epicentro" existencial a fim de alcançar esta harmonia nos termos colocados nesta reflexão.
Enfim, para encerrar provisoriamente a reflexão (porque afinal, a rigor uma reflexão é similar a coisa de malandro, não pára, dá um tempo, e, a qualquer nova motivação, reinicia sempre novamente). Mas, acredito que seja importante ressaltar, como forma de fechamento que, independentemente do modo como cada qual encontre sua harmonia existencial, o importante e fundamental mesmo é abrir a possibilidade para este diálogo consigo mesmo. A partir do momento em que esta abertura se torna possível, o que ocorre no claustro, deve permanecer no claustro (assim como em uma relação conjugal, o que ocorre entre quatro paredes, diz respeito unicamente ao casal). Com o diferencial de que no claustro, o diálogo se dá na solidão, sempre entre eu e eu-mesmo.
Não disse que uma reflexão é coisa de malandro (risos), não se conclui jamais, não pára, só dá um tempo. Pois bem, hoje, apenas um dia depois, surgiu a motivação necessária para dar continuidade a presente reflexão. Além da respiração, do ritmo e da frequência, outros dois elementos importantes e que merecem ser destacados são: a paciência e o cuidado. Sei que Heidegger desenvolveu o conceito do cuidado, mas acredito (porque sinceramente não sei exatamente como o filósofo caracteriza o cuidado em sua filosofia) que ele não compreenda o cuidado do mesmo modo como apresentarei nesta reflexão. Mas sigamos, poder-se-ia argumentar que a paciência está intimamente relacionada ao ritmo mencionado antetiormente. Concordo, mas apenas parcialmente. Pois, enquanto que o ritmo está relacionado sobretudo as ações imediatas, aquelas executadas no aqui e agora, a paciência, por sua vez, dirá mais respeito aos projetos e anseios em relação a realizações futuras. Quantos são aqueles que se consomem e sofrem desmedidamente com preocupações antecipadas (muitas vezes com situações que sequer se sabe se se concretizarão ou não). Então, a paciência se refere sobretudo ao controle da ansiedade, além de ser uma virtude extremamente válida (e inclusive exigida) numa sociedade imediatista e excessivamente exigente como a nossa. Nossa sociedade doentia não admite, em hipótese alguma, o erro ou a falha, nesse sentido, gosto muito de uma frase de Freud que descreve bem essa verdadeira neurose social: Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de aço.
O cuidado, por outro lado, deve ser um verdadeiro guardião, ou uma espécie de escudo sempre a postos, nas relações diretas com os outros. Por que deve-se guardar uma boa dose de cuidado nas relações diretas? Basicamente, porque se observarmos bem, veremos que o ser humano é um ser híbrido, meio anjo, meio demônio (é um ser capazes das coisas mais grandiosas, nobres e sublimes, mas também é capaz de barbaridades, bestialidades e crueldades sem tamanho). Sendo que, sempre que possível, nas suas relações com os outros, o ser humano demonstrará o seu sadismo (conforme definição sartriana da relação eu-outro como sadismo e masoquismo), ou seja, há sempre uma relação de dominador e dominado permeando esta relação.
Nesse sentido, lembrando de uma história contada a respeito dos povos indígenas da América do Norte, que conviviam com uma espécie de ursos que só atacavam animais menores do que eles. Os povos indígenas em questão tinham uma estratégia muito interessante para escapar ao ataque dos ursos (que analogicamente deve ser uma estratégia existencial utilizada a fim de se evitar sofrimentos desnecessários), ao encontrarem os ursos, os indígenas rapidamente pegavam um tronco ou o galho de uma árvore e o colocavam sobre a cabeça para dissimularem o seu tamanho, ficando aparentemente maiores do que os ursos, os indígenas não eram atacados e saiam ilesos. Assim também, em nossa existência, por mais que estejamos fragilizados, tristes, deprimidos ou qualquer outra coisa que nos deixe fraco, não devemos jamais externar isto aos outros (a não ser aos íntimos, e entre estes ainda somente àqueles que se sabe poderem dar algum auxílio se necessário), do contrário, também nós devemos buscar pedaços de troncos ou galhos para colocar sobre nossas cabeças, somente assim, não seremos vítimas do sadismo dos outros.
Há também uma outra situação em que o cuidado se faz necessário, qual seja, aquela em que já se tenha atingido a mencionada harmonia existencial. Por que? Porque ao atingirmos tal estado, tal condição, nossa vontade de potência (para falar com Nietzsche) aumenta consideravelmente, nos colocando em uma condição de tamanho bem-estar, confiança e plenitude, que facilmente podemos nos tornar arrogantes, petulantes e esnobes, o que só atrai os olhares de fúria e de destruição dos outros sobre nós. Devemos sim voar como flechas selvagens por sobre as cabeças dos bichos pequenos (encontrei nesta expressão uma forma bem humorada para designar aqueles que não possuem autonomia e necessitam de alguém que pense por eles e lhes diga sempre o que fazer ou deixar de fazer), mas não podemos acoá-los, senão, assim como fazem gatos acoados, eles nos arranharão.
Com isto, dou por encerrado os diálogos no claustro, não porque não tenha mais nada a dizer a respeito, mas porque também gosto de buscar novas roupagens. Então, se eu tiver algo mais a dizer sobre as questões aqui levantadas, eu incluirei isto sob outro título, batizarei com outro nome (risos).
Nesse sentido, antes de elucidar o sentido em que compreendo o conceito em questão, isto é, a fortaleza de espírito, eu gostaria apenas de esclarecer uma coisa: Jamais pretendi, assim como não pretendo, me colocar na posição de algum tipo de guru ou conselheiro espiritual. Nada seria mais repugnante e repulsivo para mim. Porque acredito que alguém que se coloque em tal posição, quem se sinta no direito de dar sugestões ou conselhos para outrem, trata os outros tal qual crianças ou seres incapazes de tomar suas próprias decisões, ou seja, todo e qualquer guru considera que as outras pessoas não tenham um Juízo suficientemente maduro e lúcido para efetuar suas próprias escolhas. Assim, o que direi a partir de agora sobre a fortaleza de espírito, é o resultado de observações e experiências pessoais e de minhas reflexões sobre o tema.
Inicialmente, digo que se pudesse dizer uma única coisa a alguém querido com quem cruzasse rapidamente nesta existência, eu diria o seguinte: _ Respiração é tudo. Preste muita atenção em sua respiração.
Por que? Porque, conforme disse em outra ocasião, harmonia e equilíbrio são fundamentais para uma existência saudável. A partir de agora falarei sobretudo na harmonia, dado que o equilíbrio nos remete, na maioria das vezes, a noção de uma simetria proporcional, enquanto que, em alguns momentos, a harmonia poderá permear (permitir e exigir inclusive) alguns excessos. Sem dúvida, o equilíbrio é necessário, tanto o equilíbrio espacial, que advém da consciência de nossa corporeidade, quanto o equilíbrio dietético, na intenção de se evitar comportamentos e hábitos auto-destrutivos. Mas, se o equilíbrio é necessário, a harmonia é fundamental.
Nesse sentido, quando penso na harmonia, descortina-se para mim o universo musical e com ele dois outros elementos importantíssimos, quais sejam, ritmo e frequência. É necessário atentarmos para o ritmo em que estamos conduzindo nossas existências (cada coisa a seu tempo e com o tempo devido para sua execução ou desfrute, atropê-los só geram equívocos). Assim como precisamos, de tempos em tempos, avaliar se estamos vibrando na mesma frequência de nossas intenções, pensamentos e sentimentos. Pois, não raro, algumas pessoas (com as melhores intenções) são traídas por suas ações, ou então, sabem teoricamente o que seria melhor para si ou para o mundo, mas sua praxis não condiz com seu pensamento, ou ainda, há pessoas que, por exemplo, dizem amar ou querer bem a outrem, enquanto que só o fazem sofrer, lançando à pessoa supostamente amada só palavras e gestos de dor e sofrimento. Desse modo, harmonia é, em última instância, ritmo e frequência.
Podemos dizer, que a harmonia consiste numa condição existencial satisfatória (certamente não isenta de angústias e inquietações, porque isto é impossível a um ser humano). Para tal condição ser alcançada, a respiração é um aspecto fundamental, mas não o único. Por mais que nos tenham saturado os ratos de academia, com seus músculos ôcos, exercícios físicos regulares também são importantes, sobretudo àqueles que desempenhem profissionalmente atividades intelectuais ou outra atividade sedentária. Assim, como uma boa alimentação e um comportamento do qual não tenhamos que nos envergonhar ou que gere algum tipo de culpa ou peso na consciência. Julgo todos esses aspectos importantes para o desfrute de uma condição existencial harmônica. No entanto, é importante lembrar que tais atitudes e comportamentos não valem como uma receita existencial. Quantos encontraram esta harmonia existencial nas raias do excesso e da desmedida. Então, cada qual deve encontrar o seu próprio "epicentro" existencial a fim de alcançar esta harmonia nos termos colocados nesta reflexão.
Enfim, para encerrar provisoriamente a reflexão (porque afinal, a rigor uma reflexão é similar a coisa de malandro, não pára, dá um tempo, e, a qualquer nova motivação, reinicia sempre novamente). Mas, acredito que seja importante ressaltar, como forma de fechamento que, independentemente do modo como cada qual encontre sua harmonia existencial, o importante e fundamental mesmo é abrir a possibilidade para este diálogo consigo mesmo. A partir do momento em que esta abertura se torna possível, o que ocorre no claustro, deve permanecer no claustro (assim como em uma relação conjugal, o que ocorre entre quatro paredes, diz respeito unicamente ao casal). Com o diferencial de que no claustro, o diálogo se dá na solidão, sempre entre eu e eu-mesmo.
Não disse que uma reflexão é coisa de malandro (risos), não se conclui jamais, não pára, só dá um tempo. Pois bem, hoje, apenas um dia depois, surgiu a motivação necessária para dar continuidade a presente reflexão. Além da respiração, do ritmo e da frequência, outros dois elementos importantes e que merecem ser destacados são: a paciência e o cuidado. Sei que Heidegger desenvolveu o conceito do cuidado, mas acredito (porque sinceramente não sei exatamente como o filósofo caracteriza o cuidado em sua filosofia) que ele não compreenda o cuidado do mesmo modo como apresentarei nesta reflexão. Mas sigamos, poder-se-ia argumentar que a paciência está intimamente relacionada ao ritmo mencionado antetiormente. Concordo, mas apenas parcialmente. Pois, enquanto que o ritmo está relacionado sobretudo as ações imediatas, aquelas executadas no aqui e agora, a paciência, por sua vez, dirá mais respeito aos projetos e anseios em relação a realizações futuras. Quantos são aqueles que se consomem e sofrem desmedidamente com preocupações antecipadas (muitas vezes com situações que sequer se sabe se se concretizarão ou não). Então, a paciência se refere sobretudo ao controle da ansiedade, além de ser uma virtude extremamente válida (e inclusive exigida) numa sociedade imediatista e excessivamente exigente como a nossa. Nossa sociedade doentia não admite, em hipótese alguma, o erro ou a falha, nesse sentido, gosto muito de uma frase de Freud que descreve bem essa verdadeira neurose social: Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de aço.
O cuidado, por outro lado, deve ser um verdadeiro guardião, ou uma espécie de escudo sempre a postos, nas relações diretas com os outros. Por que deve-se guardar uma boa dose de cuidado nas relações diretas? Basicamente, porque se observarmos bem, veremos que o ser humano é um ser híbrido, meio anjo, meio demônio (é um ser capazes das coisas mais grandiosas, nobres e sublimes, mas também é capaz de barbaridades, bestialidades e crueldades sem tamanho). Sendo que, sempre que possível, nas suas relações com os outros, o ser humano demonstrará o seu sadismo (conforme definição sartriana da relação eu-outro como sadismo e masoquismo), ou seja, há sempre uma relação de dominador e dominado permeando esta relação.
Nesse sentido, lembrando de uma história contada a respeito dos povos indígenas da América do Norte, que conviviam com uma espécie de ursos que só atacavam animais menores do que eles. Os povos indígenas em questão tinham uma estratégia muito interessante para escapar ao ataque dos ursos (que analogicamente deve ser uma estratégia existencial utilizada a fim de se evitar sofrimentos desnecessários), ao encontrarem os ursos, os indígenas rapidamente pegavam um tronco ou o galho de uma árvore e o colocavam sobre a cabeça para dissimularem o seu tamanho, ficando aparentemente maiores do que os ursos, os indígenas não eram atacados e saiam ilesos. Assim também, em nossa existência, por mais que estejamos fragilizados, tristes, deprimidos ou qualquer outra coisa que nos deixe fraco, não devemos jamais externar isto aos outros (a não ser aos íntimos, e entre estes ainda somente àqueles que se sabe poderem dar algum auxílio se necessário), do contrário, também nós devemos buscar pedaços de troncos ou galhos para colocar sobre nossas cabeças, somente assim, não seremos vítimas do sadismo dos outros.
Há também uma outra situação em que o cuidado se faz necessário, qual seja, aquela em que já se tenha atingido a mencionada harmonia existencial. Por que? Porque ao atingirmos tal estado, tal condição, nossa vontade de potência (para falar com Nietzsche) aumenta consideravelmente, nos colocando em uma condição de tamanho bem-estar, confiança e plenitude, que facilmente podemos nos tornar arrogantes, petulantes e esnobes, o que só atrai os olhares de fúria e de destruição dos outros sobre nós. Devemos sim voar como flechas selvagens por sobre as cabeças dos bichos pequenos (encontrei nesta expressão uma forma bem humorada para designar aqueles que não possuem autonomia e necessitam de alguém que pense por eles e lhes diga sempre o que fazer ou deixar de fazer), mas não podemos acoá-los, senão, assim como fazem gatos acoados, eles nos arranharão.
Com isto, dou por encerrado os diálogos no claustro, não porque não tenha mais nada a dizer a respeito, mas porque também gosto de buscar novas roupagens. Então, se eu tiver algo mais a dizer sobre as questões aqui levantadas, eu incluirei isto sob outro título, batizarei com outro nome (risos).
E um bom texto! claramente desenvolvido a partir do "problema" mesmo, sentido, experenciado, vivenciado. E assim que se construiram as filosofia de Platao e Aristotels. Tudo nao passavam de escritos avulsos mais tarde reunidos e ordenados de modo a formar um sistema. Heidegger certamente gostaria de dialogar com teus textos, pois sempre considerou que a filosofia autentica so se faz a partir dos problemas mesmos. Mas, deixo de lado esse cometario tecnico e digo que ao ler teu texto também me identifiquei nele e a questao que surgiu é: o que fazer quando no claustro, eu comigo mesma, me deparo com meus medos? sim, o medo, aquilo que nos impede de mudar a nos mesmos, uma exigencia de certas situaçoes.
ResponderExcluirP.S: gostei muito do paragrafo que fala da carruagem