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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Espiritualidade damanhuriana

Espiritualidadade damanhuriana: a busca de uma compreensão
Tatiana Palm

      


 

A poucos quilômetros de Torino, em Baldissero Canavese - Piemonte, sobrevive um exemplo de comunidade alternativa e sustentável chamada de Damanhur, fundada em 1975 por Oberto Airaudi, pintor, médico espiritual, escritor e filósofo. Atualmente, fazem parte desta comunidade cerca de mil pessoas, que vivem em grandes e confortáveis casas, dotadas de tecnologia sem, no entanto, deixar de serem ecologicamente corretas. Os damanhurianos vestem jeans, usam celular, carros, ipods, ipads. Original, no entanto, é a espiritualidade dessas pessoas que possuem um modo de vida fundamento no otimismo, na solidariedade, no respeito aos outros e no compartilhar.

Considero que a originalidade da espiritualidade damanhuriana está no fato dela resgatar aspectos de práticas e crenças espirituais do que é conhecido como xamanismo, que comumente é considerado uma religião das tribos indígenas. Na verdade, os indígenas são os grandes responsáveis por manter viva as práticas xamânicas que, de acordo com as pesquisas antropológicas, se originou no homem primitivo, mais precisamente, no paleolítico (40.000 a 50.000 anos). Mas, o que é o xamanismo? A palavra “xamanismo” foi criada para definir um conjunto de crenças ancestrais que, diferentemente do que costumeiramente pensamos, não é uma religião apenas das tribos indígenas, mas uma religião original e primordial. O conhecimento das práticas xamânicas vem ressurgindo no enfoque holístico de muitas terapias alternativas, que visam promover o equilíbrio entre o corpo, a mente, a alma e o mundo (natureza) e assim propiciar uma vida mais harmônica e saudável.

O xamanismo tem como premissa básica o reconhecimento de que tudo está interligado e que todos possuem o divino (espírito essencial) dentro de si, inclusive a natureza, isto é, o divino também está nas plantas e nos animais. Assim sendo, a cultura xamânica inclui os cuidados com a preservação da vida de todos os reinos (animal, mineral, vegetal) de nosso planeta, possui respeito e amor com a natureza, pois nela todos os seres são vivos e podem agir com finalidade certa e, além disso, todas as coisas do universo são consideradas sagradas, pois são dotadas de alma ou espírito (anima). Considera-se que a vida humana, enquanto parte da natureza, obedece um eterno ciclo de nascimento e desabrochar, crescimento e florescimento, maturidade e frutificação, envelhecimento e decadência, morte e decomposição e novamente renascimento.

O povo damanhuriano não possui uma religião mas uma espiritualidade, e, isso quer dizer, não compreendem o divino como algo que está colocado fora de si, acima ou no além, mas como aquilo que está dentro de cada um assim como em cada coisa viva. Assim, em suas práticas sacras, assim como no xamanismo, demonstram o reconhecimento do divino em todas as manifestações do universo, buscam uma interação com espíritos da natureza, reconhecem as forças da natureza e a ligação profunda da natureza com a vida e, por isso, formam uma comunidade e possuem um modelo de vida não condizente com o modelo imperante na sociedade atual, que é predatório, destrutivo e visa o controle do mundo natural. A vida prática damanhuriana, tem como base o respeito pela natureza, o reconhecimento do sagrado nas forças da natureza, o reconhecimento do divino dentro de si.

O cotidiano do povo damanhuriano é todo ritualizado. As práticas ritualísticas levam em conta os ritmos cíclicos da natureza: nascimento, morte e renascimento, a complementaridade masculino e feminino, interação com espíritos da natureza, o contato entre o humano e um mundo paralelo (o dos espíritos e divindades). Os grandes ritos do ano são os solstícios, os equinócios, o rito dos defuntos e a noite velha, são ritos ancestrais que ao serem resgatados trazem a consciência de que somos apenas um "microcosmo" que pertence a algo maior, ao macrocosmos. Além desses ritos há outros como, por exemplo, o rito do oráculo, realizado na lua cheia com o objetivo de estabelecer contato com um grupo de forças divinas (que representam as forças oraculares), as quais devem dar uma resposta às perguntas individuais (como ocorria também na Grécia antiga) ou dar uma orientação coletiva. Há também ritos mais cotidianos como, por exemplo, ao entrar em um território saudar a árvore, o espírito  guardião daquele lugar para assim estabelecer uma conexão; há a realização da purificação dos alimentos em cada refeição, o hábito de saudar o outro com um “com te” ou um “com voi”, realizar uma pregueira em um encontro de um núcleo familiar, ter sempre presente o fogo como elemento de contato entre o mundo material e o divino, fazer ofertas ao fogo, receber visitas periódicas do cálice (o qual é o contentor da energia), fazer a preparação para os sonhos, tirar cartas de taro (para antever como será o dia ou prever o futuro), etc.

Do mesmo modo que no xamanismo, há em Damanhur a figura central do xamã. Segundo a antropologia, o termo xamã, refere-se à pessoas que, em uma grande variedade de culturas não ocidentais, são nomeadas como: bruxo, feiticeiro, curandeiro, mago, mágico, vidente, sacerdote, pajé, homem da medicina, o terapeuta, o conselheiro, o contador de estórias, o líder espiritual e outros. O xamã supostamente possui a capacidade de estabelecer um contato entre o divino e as forças da natureza (espíritos), entre o mundo humano (comunidade) e o mundo espiritual. Esse contato, geralmente, acontece quando os xamãs entram em um estado alterado de consciência também conhecido como transe. Por ser capaz de conectar o mundo divino, o humano e o natural, por ter a capacidade de atingir um estado alterado de consciência, isto é, de viajar fora da realidade e do tempo comum e, assim, contatar-se com espíritos animais, plantas, e obter insights, promover curas, etc., o xamã, é sempre uma figura dominante (um guia) mas não um santo, avatar ou profeta. Essa figura dominante ao estabelecer contato com outros planos de consciência obtém um conhecimento e não o usa exclusivamente a seu favor, mas para proporcionar o bem da sua comunidade. Enfim, é um conhecimento que contribuem para a saúde e o equilíbrio (corporal e espiritual), isto é, estimula o bem estar físico, psicológico e espiritual. Diferentemente de um profeta, o “guia” é um contador de histórias, professor, um artista místico, um investigador da natureza, curador (curado), auxiliador, visionário à serviço das pessoas (da comunidade).

Além da capacidade de entrar e sair de estados de consciência, de realidades não-ordinárias, um xamã tem “desenvolvidas no mais alto grau as suas capacidades mentais e aplica o conhecimento intuitivo animal, que reside em nosso sistema límbico - área primitiva do cérebro conectada com a memória animal, que diz respeito à mente prólógica. Daí o xamã trabalhar com seus animais de poder, que são seres espirituais que lhe protegem e servem, manifestações da sua outra identidade, e que podem ser descobertos por todas as pessoas em seu mundo interno”. Os animais de poder também faziam parte da realidade damanhuriana. Na verdade, cada membro da comunidade, depois de um tempo de residência ali, em um ritual de renascimento, recebe do povo o nome de um animal, aquele que lhe convém conforme as suas caraterísticas e, a partir disso, deixa de usar seu o nome originário. Encontraremos aí, Falco (o líder), Aragosta (lagosta), Balena (baleia), Emu (ema), etc.

Nós, enquanto existentes humanos, na maior parte da nossa vida, vivenciamos um estado comum de consciência, que é o estado "normal", isso, no entanto, não significa que não exista outros estados de consciência. Os avanços científicos mostram que o nosso cérebro é capaz de produzir suas próprias substâncias que alteram a nossa estado normal de consciência, ou seja, o nosso cérebro produz veículos capazes de alterar a nossa própria mente. O que se busca em certas experiências religiosas, como no xamanismo, é exatamente atingir os estados alterados de consciência, também chamados de Estados Sagrados de Consciência. Tais estados, no âmbito religioso, podem ser atingidos por meio do transe e com o uso de plantas de poder, por meio da prática da meditação e do jejum; já em nosso dia-a-dia, os estado alterados de consciência podem ser experenciados por exemplo, fazendo uso da maconha, ou do LSD. Também é possível “atingir estados alterados de consciência empregam meios semelhantes aos adotados em certos experimentos da moderna parapsicologia” e também a alteração pode ser estimulada pelos sons rítmicos de tambores, pela dança, o canto e os objetos de poder. Esse parece ser o caso de Damanhur, pois, essa comunidade italiana surge na década de 70 sob influência da parapsicologia, um campo que seu líder espiritual bem como alguns amigos realizavam estudos.

A consciência alterada recebe impressões inacessíveis aos sentidos comuns, penetra na dimensão astral, em outros mundos, viaja na realidade incomum e através do tempo (passado ou futuro), isso significa, tem-se experiências fora do corpo e do tempo. O fato de que através da consciência ordinária não conseguimos alcançar níveis profundos do nosso ser, mas através desses estados de consciência alterada “conseguimos a conexão com nossos mitos, símbolos, nossa verdade interior. Conseguimos expandir a percepção para mistérios que estão guardados em nós mesmos. Aprendemos a sentir, ver e ouvir a energia. Nos religamos com o Sagrado e com a fonte criativa de tudo o que nos acontece. Através desses estados especiais alcançamos uma experiência divina, acessamos uma fonte de Sabedoria Superior, podemos curar nosso corpo, nos conhecemos melhor através das visões, expandimos a nossa consciência”.

Enfim, se observamos atentamente a prática espiritual do povo damanhuriano encontraremos muitas similaridades com as práticas xamânicas: a) o reconhecimento da presença divina em todas as manifestações do Universo, inclusive a presença do divino dentro de cada um; b) a interação com espíritos da natureza; c) o uso de instrumentos alternativos para o tratamento de doenças como, por exemplo, a pranoselfica. Além disso percebemos a presença da importância do fogo e, sobretudo, dos rituais que celebram os ciclos da natureza, as canções de poder (música das plantas e música sacra), as palavras de poder (por exemplo, “com te”), danças (a dança sacra), contação de histórias (valorização dos mitos) como uma forma de explicação do que é chamado de filosofia espiritual damanhuriana. Ainda existem as diversas técnicas ou rituais para se chegar a estados mais profundos de consciência, dentre elas: tambores e danças, e, sobretudo, a parte central: a figura do líder espiritual (xamã), conhecido como Falco, o qual trabalha não apenas para proporcionar o bem da comunidade Damanhur, mas segue buscando o conhecimento, isto é, investigando a energia profunda da natureza (as forças naturais), as forças divinas, o potencial humano. É, talvez, por existir essas semelhanças que damanhurianos possuíam um enorme interesse e curiosodade sobre o povo das florestas, os nossos indígenas.

  

Fonte de pesquisa sobre Xamanismo: http://www.xamanismo.com.br/Universo/SubUniverso1186617496

 


 

Fonte de pesquisa sobre Xamanismo: http://www.xamanismo.com.br/Universo/SubUniverso1186617496

 
 
 

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