Espiritualidadade damanhuriana: a busca de uma compreensão
Tatiana Palm

A poucos quilômetros de
Torino, em Baldissero Canavese - Piemonte, sobrevive um exemplo de comunidade
alternativa e sustentável chamada de Damanhur, fundada em 1975 por Oberto
Airaudi, pintor, médico espiritual, escritor e filósofo. Atualmente, fazem
parte desta comunidade cerca de mil pessoas, que vivem em grandes e
confortáveis casas, dotadas de tecnologia sem, no entanto, deixar de serem
ecologicamente corretas. Os damanhurianos vestem jeans, usam celular, carros, ipods,
ipads. Original, no entanto, é a espiritualidade dessas pessoas que possuem um
modo de vida fundamento no otimismo, na solidariedade, no respeito aos outros e
no compartilhar.
Considero que a originalidade
da espiritualidade damanhuriana está no fato dela resgatar aspectos de práticas
e crenças espirituais do que é conhecido como xamanismo, que comumente é
considerado uma religião das tribos indígenas. Na verdade, os indígenas são os
grandes responsáveis por manter viva as práticas xamânicas que, de acordo com
as pesquisas antropológicas, se originou no homem primitivo, mais precisamente,
no paleolítico (40.000 a 50.000 anos). Mas, o que é o xamanismo? A palavra
“xamanismo” foi criada para definir um conjunto de crenças ancestrais que,
diferentemente do que costumeiramente pensamos, não é uma religião apenas
das tribos indígenas, mas uma religião original e primordial. O conhecimento
das práticas xamânicas vem ressurgindo no enfoque holístico de muitas terapias
alternativas, que visam promover o equilíbrio entre o corpo, a mente, a alma e
o mundo (natureza) e assim propiciar uma vida mais harmônica e saudável.
O xamanismo tem como premissa
básica o reconhecimento de que tudo está interligado e que todos possuem o divino
(espírito essencial) dentro de si, inclusive a natureza, isto é, o divino
também está nas plantas e nos animais. Assim sendo, a cultura xamânica inclui
os cuidados com a preservação da vida de todos os reinos (animal, mineral,
vegetal) de nosso planeta, possui respeito e amor com a natureza, pois nela
todos os seres são vivos e podem agir com finalidade certa e, além disso, todas
as coisas do universo são consideradas sagradas, pois são dotadas de alma ou
espírito (anima). Considera-se que a
vida humana, enquanto parte da natureza, obedece um eterno ciclo de nascimento
e desabrochar, crescimento e florescimento, maturidade e frutificação,
envelhecimento e decadência, morte e decomposição e novamente renascimento.
O povo damanhuriano não possui
uma religião mas uma espiritualidade, e, isso quer dizer, não compreendem o
divino como algo que está colocado fora de si, acima ou no além, mas como
aquilo que está dentro de cada um assim como em cada coisa viva. Assim, em suas
práticas sacras, assim como no xamanismo, demonstram o reconhecimento do divino
em todas as manifestações do universo, buscam uma interação com espíritos da
natureza, reconhecem as forças da natureza e a ligação profunda da natureza com
a vida e, por isso, formam uma comunidade e possuem um modelo de vida não
condizente com o modelo imperante na sociedade atual, que é predatório,
destrutivo e visa o controle do mundo natural. A vida prática damanhuriana, tem
como base o respeito pela natureza, o reconhecimento do sagrado nas forças da
natureza, o reconhecimento do divino dentro de si.
O cotidiano do povo damanhuriano
é todo ritualizado. As práticas ritualísticas levam em conta os ritmos cíclicos
da natureza: nascimento, morte e renascimento, a complementaridade masculino e
feminino, interação com espíritos da natureza, o contato entre o humano e um
mundo paralelo (o dos espíritos e divindades). Os grandes ritos do ano são os
solstícios, os equinócios, o rito dos defuntos e a noite velha, são ritos
ancestrais que ao serem resgatados trazem a consciência de que somos apenas um
"microcosmo" que pertence a algo maior, ao macrocosmos. Além desses
ritos há outros como, por exemplo, o rito do oráculo, realizado na lua cheia
com o objetivo de estabelecer contato com um grupo de forças divinas (que representam
as forças oraculares), as quais devem dar uma resposta às perguntas
individuais (como ocorria também na Grécia antiga) ou dar uma orientação
coletiva. Há também ritos mais cotidianos como, por exemplo, ao entrar em um
território saudar a árvore, o espírito
guardião daquele lugar para assim estabelecer uma conexão; há
a realização da purificação dos alimentos em cada refeição, o hábito de saudar
o outro com um “com te” ou um “com voi”, realizar uma pregueira em um
encontro de um núcleo familiar, ter sempre presente o fogo como elemento de
contato entre o mundo material e o divino, fazer ofertas ao fogo, receber
visitas periódicas do cálice (o qual é o contentor da energia), fazer a
preparação para os sonhos, tirar cartas de taro (para antever como será o dia ou
prever o futuro), etc.
Do mesmo modo que no xamanismo,
há em Damanhur a figura central do xamã. Segundo a antropologia, o termo xamã,
refere-se à pessoas que, em uma grande variedade de culturas não ocidentais,
são nomeadas como: bruxo, feiticeiro, curandeiro, mago, mágico, vidente,
sacerdote, pajé, homem da medicina, o terapeuta, o conselheiro, o contador de
estórias, o líder espiritual e outros. O xamã supostamente possui a capacidade
de estabelecer um contato entre o divino e as forças da natureza (espíritos), entre
o mundo humano (comunidade) e o mundo espiritual. Esse contato, geralmente,
acontece quando os xamãs entram em um estado alterado de consciência também
conhecido como transe. Por ser capaz de conectar o mundo divino, o humano e o
natural, por ter a capacidade de atingir um estado alterado de consciência,
isto é, de viajar fora da realidade e do tempo comum e, assim, contatar-se com
espíritos animais, plantas, e obter insights, promover curas, etc., o xamã, é
sempre uma figura dominante (um guia) mas não um santo, avatar ou profeta. Essa
figura dominante ao estabelecer contato com outros planos de consciência obtém
um conhecimento e não o usa exclusivamente a seu favor, mas para proporcionar o
bem da sua comunidade. Enfim, é um conhecimento que contribuem para a
saúde e o equilíbrio (corporal e espiritual), isto é, estimula o bem estar
físico, psicológico e espiritual. Diferentemente de um profeta, o “guia” é
um contador de histórias, professor, um artista místico, um investigador da
natureza, curador (curado), auxiliador, visionário à serviço das pessoas (da
comunidade).
Além da capacidade de entrar e
sair de estados de consciência, de realidades não-ordinárias, um xamã tem
“desenvolvidas no mais alto grau as suas capacidades mentais e aplica o
conhecimento intuitivo animal, que reside em nosso sistema límbico - área
primitiva do cérebro conectada com a memória animal, que diz respeito à mente
prólógica. Daí o xamã trabalhar com seus animais de poder, que são seres
espirituais que lhe protegem e servem, manifestações da sua outra identidade, e
que podem ser descobertos por todas as pessoas em seu mundo interno”. Os animais
de poder também faziam parte da realidade damanhuriana. Na verdade, cada membro
da comunidade, depois de um tempo de residência ali, em um ritual de
renascimento, recebe do povo o nome de um animal, aquele que lhe convém conforme
as suas caraterísticas e, a partir disso, deixa de usar seu o nome originário. Encontraremos
aí, Falco (o líder), Aragosta (lagosta), Balena (baleia), Emu (ema), etc.
Nós, enquanto existentes
humanos, na maior parte da nossa vida, vivenciamos um estado comum de
consciência, que é o estado "normal", isso, no entanto, não significa
que não exista outros estados de consciência. Os avanços científicos mostram
que o nosso cérebro é capaz de produzir suas próprias substâncias que
alteram a nossa estado normal de consciência, ou seja, o nosso cérebro produz
veículos capazes de alterar a nossa própria mente. O que se busca em certas
experiências religiosas, como no xamanismo, é exatamente atingir os estados
alterados de consciência, também chamados de Estados Sagrados de Consciência. Tais
estados, no âmbito religioso, podem ser atingidos por meio do transe e com
o uso de plantas de poder, por meio da prática da meditação e do jejum; já em nosso
dia-a-dia, os estado alterados de consciência podem ser experenciados por
exemplo, fazendo uso da maconha, ou do LSD. Também é possível “atingir
estados alterados de consciência empregam meios semelhantes aos adotados em
certos experimentos da moderna parapsicologia” e também a alteração pode ser
estimulada pelos sons rítmicos de tambores, pela dança, o canto e os objetos de
poder. Esse parece ser o caso de Damanhur, pois, essa comunidade italiana surge
na década de 70 sob influência da parapsicologia, um campo que seu líder espiritual
bem como alguns amigos realizavam estudos.
A consciência alterada recebe
impressões inacessíveis aos sentidos comuns, penetra na dimensão astral, em
outros mundos, viaja na realidade incomum e através do tempo (passado ou
futuro), isso significa, tem-se experiências fora do corpo e do tempo. O fato
de que através da consciência ordinária não conseguimos alcançar níveis
profundos do nosso ser, mas através desses estados de consciência alterada
“conseguimos a conexão com nossos mitos, símbolos, nossa verdade interior.
Conseguimos expandir a percepção para mistérios que estão guardados em nós
mesmos. Aprendemos a sentir, ver e ouvir a energia. Nos religamos com o Sagrado
e com a fonte criativa de tudo o que nos acontece. Através desses estados
especiais alcançamos uma experiência divina, acessamos uma fonte de Sabedoria
Superior, podemos curar nosso corpo, nos conhecemos melhor através das visões,
expandimos a nossa consciência”.
Enfim, se observamos
atentamente a prática espiritual do povo damanhuriano encontraremos muitas similaridades
com as práticas xamânicas: a) o reconhecimento da presença divina em todas as
manifestações do Universo, inclusive a presença do divino dentro de cada um; b)
a interação com espíritos da natureza; c) o uso de instrumentos alternativos
para o tratamento de doenças como, por exemplo, a pranoselfica. Além disso
percebemos a presença da importância do fogo e, sobretudo, dos rituais que
celebram os ciclos da natureza, as canções de poder (música das plantas e música
sacra), as palavras de poder (por exemplo, “com te”), danças (a dança sacra), contação
de histórias (valorização dos mitos) como uma forma de explicação do que é
chamado de filosofia espiritual damanhuriana. Ainda existem as diversas
técnicas ou rituais para se chegar a estados mais profundos de consciência, dentre
elas: tambores e danças, e, sobretudo, a parte central: a figura do líder espiritual
(xamã), conhecido como Falco, o qual trabalha não apenas para proporcionar o
bem da comunidade Damanhur, mas segue buscando o conhecimento, isto é,
investigando a energia profunda da natureza (as forças naturais), as forças
divinas, o potencial humano. É, talvez, por existir essas semelhanças que
damanhurianos possuíam um enorme interesse e curiosodade sobre o povo das
florestas, os nossos indígenas.
Fonte de
pesquisa sobre Xamanismo:
http://www.xamanismo.com.br/Universo/SubUniverso1186617496
Fonte de pesquisa sobre Xamanismo:
http://www.xamanismo.com.br/Universo/SubUniverso1186617496
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