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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Palcos e atos

Palcos e atos
Luciano Palm
          Somos livres para pensarmos, expressarmos, imaginarmos e sonharmos o que quisermos. Todos somos do tamanho de nossa capacidade criativa e compreensiva, contudo, os contextos nos quais estivermos inseridos inevitavelmente nos compreenderão e nivelarão segundo sua altura. Desse modo, dependendo do palco em que estivermos, seremos aplaudidos com entusiasmo e até considerados geniais, ou, por outro lado, seremos taxados de loucos, excêntricos e desajuizados. Nossa liberdade sempre encontrará seu limite no juízo inquiridor e implacável dos outros. Todos somos juízes e réus de todos, julgamos (condenamos ou absolvemos) uns aos outros a todo momento.
          É evidente que os parâmetros de compreensão, de possibilidade de efetivação e objetivação das capacidades criativas, assim como a tábua de valores que orienta as relações intersubjetivas são o resultado de um processo, são o resultado de uma construção histórica que se encontra em constante mutação e câmbio. Tais parâmetros não são voluntários e construídos de forma autônoma, eles são condicionados sobretudo pela organização política, cultural, econômica e social da sociedade, ao invés de serem construídos propriamente pela vontade e decisão dos sujeitos envolvidos no processo.
           Atualmente, o egoísmo, a hipocrisia e a farsa parecem configurar os grandes pilares de tais parâmetros, com maior ou menor ênfase dependendo do contexto, variando também nas formas e na intensidade em que são percebidos. A mediocridade burguesa, desencadeia uma onda de mesquinharia que faz com que cada qual, indivíduo ou grupo, se encastele em seu reduto e se abrace em suas bugigangas com tamanha paixão e fervor que não conseguem mais olhar para os outros e nem para si mesmos senão como coisas, instrumentos e meios úteis para a produção de poderosa e cruel maquinaria, gerando riquezas materiais as custas de existências que se perdem esquecidas nas engrenagens da indústria e do mercado.
          Em geral, o desconforto na sociabilidade é gerado pela opressão e pela vigilância dos olhares alheios. No palco social todos são juízes e réus a todo momento. Julgamos (condenando e absolvendo) uns aos outros implacável- e sumariamente. O grau e a intensidade de tal vigilância é inversamente proporcional ao tamanho do espaço social em questão, isto é, quanto maior o espaço social, menor será a vigilância, e, por outro lado, quanto menor for o espaço, maior será a vigilância. Há pontos positivos e negativos em ambas situações, num grande centro urbano, por exemplo, desfrutamos de maior liberdade e podemos andar menos preocupados em relação ao que os outros pensem ou digam a nosso respeito, por outro lado, numa pequena cidade podemos andar mais tranquilos e menos preocupados em relação aos perigos da violência (este é somente um exemplo ao lado do qual poderíamos elencar vários outros, mas não o farei aqui, por considerar que todos poderão buscá-los nas memórias de suas próprias vivências e experiências pessoais). Desse modo, cada pessoa busca aquele espaço que lhe proporcione maior bem-estar e satisfação.
          Contudo, se é verdade que o espaço condiciona a existência de diversos modos, demarcando sobretudo os limites de ação e expressão, ele não pode, por si só, ser considerado como a causa do bem-estar ou do desconforto de quem quer que seja (como erroneamente algumas pessoas consideram). Quantos são aqueles que dizem coisas do tipo: "Se eu vivesse neste ou naquele lugar eu seria feliz...", ou então, "Este lugar me deixa triste, desconfortável, ansioso ou mal-humorado...". Certamente cada um de nós tem suas preferências e gostosos específicos, que fazem com que em alguns lugares nos sintamos mais ou menos confortáveis, mais ou menos felizes, etc., mas isto depende muito mais das condições internas de cada sujeito do que das condições externas. Sendo assim, aqueles que visualizem sua felicidade, satisfação ou bem-estar apenas em lugares longínquos e distantes, deveríamos alertá-los dizendo o seguinte: "Se achares que poderás te livrar de todos seus problemas e angústias apenas mudando de lugar, cuidado, preste atenção para o fato de que irás junto para este novo lugar!" Ou seja, antes de considerar o mundo fora de nós, deveríamos considerar e organizar nosso mundo interno, acredito que assim podemos ter maiores possibilidade de êxito na edificação de nossa felicidade e bem-estar. 
           Na proposta de um texto aberto que busque o diálogo comigo mesmo, com o próprio texto e com aqueles que venham possivelmente a lê-lo (assim como a todos os demais textos que escrevi, escrevo e venha a escrever), me sinto obrigado a esclarecer um ponto que, sem este esclarecimento, poderia apontar para uma ingenuidade quase infantil de minha parte. Quando me refiro a necessidade da organização de nossa interioridade a fim de alcançarmos uma harmonia existencial, ou seja, uma existência com condições suportáveis de satisfação, bem-estar, realização e felicidade; não pretendo com isto dizer, como o fazem os gurus de auto-ajuda, que basta aos sujeitos terem boas intenções, "mentalizando" boas condições para suas existências que por si só elas se efetivarão. Se fosse este o caso acabaríamos no solipsismo, nos enclausuraríamos em nós mesmos como as mônadas de Leibniz e tudo estaria resolvido.
         Entretanto, também considero errônea a consideração de alguns teóricos marxistas que acreditam que a resolução de todos os problemas e dificuldades perpassa unicamente pela eliminação e superação das contradições e problemas externos. Em verdade, acredito que interioridade e exterioridade estejam em constante jogo, relacionando-se, interagindo, condicionando-se e redefinindo-se reciprocamente a todo instante. Assim, a harmonia existencial dependerá muito mais do arranjo entre interioridade e exterioridade, da relação entre estas duas dimensões (que apenas teoricamente podemos distinguir, sendo que na vida prática são sempre uma e a mesma), do que da ênfase em apenas um dos lados da balança. Nosso mundo e nossas existências são construídas e redefinidas a todo instante através deste jogo entre interioridade e exterioridade.

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