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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Andanças: Caminhos e descaminhos

Andanças:
Caminhos e descaminhos
Luciano Palm
            Hoje, no final da tarde, eu e minha esposa demos uma caminhada, como normalmente fazemos para arejar as ideias e para colocar o corpo em movimento, devido aos cuidados mínimos que devemos dispensar ao envólucro de nosso ser (o corpo). Como minha esposa se encontrava naqueles dias em que nenhuma fenomenologia, hermenêutica, psicologia ou exegese é capaz de compreendê-la, não conversamos muito. Lembro-me que disse apenas: "_ Que bonito!", me referindo ao pôr-do-sol que dava um espetáculo a nossa frente. Diante do que, ela apenas resmungou, quase gemendo, dando sinal de que concordava comigo: _ "Ahãm".
            Sendo assim, um silêncio profundo, que permitia ouvir nossas próprias pegadas (não fossem os carros que, de quando em quando perturbavam nossa paz) nos acompanhava neste caminho que leva de São Domingos do Sul a Casca. O já mencionado pôr-do-sol, fez irromper no silêncio diálogos com alguns personagens que povoam o meu imaginário. As vezes, tais personagens são companhia para a solidão, as vezes, companheiros para minha angústia e para minha inquietude, as vezes, interlocutores para meus devaneios, as vezes, mestres para aplacar minha ignorância...
           Pois bem, o primeiro foi o velho Husserl com sua ideia de fenômeno e intencionalidade, talvez também pudesse ter sido com Kant, mas quis falar em alemão com alguém que estivesse mais próximo de mim. O pôr-do-sol. Onde está o espetáculo.) Não propriamente no acontecimento natural que se repete dia após dia, na mesma indiferença de sempre. Mas nos olhos de quem é capaz de ver, isto é, no fenômeno representado pela intenção do sujeito, apenas neste momento a monotonia do acontecimento natural, repetido cotidiana e enfadonhamente, irrompe de repente, nos tomando de assalto e roubando a cena, como espetáculo, capaz de despertar nossa admiração diante do sublime que ignora qualquer monotonia.
            Contudo, o espetáculo não se faz apenas a partir das características fisiológicas que tornam possível captá-lo, não basta ter olhos. Pois, se assim o fosse, também as vacas não enterrariam sua cabeça na relva em busca de um pouco de pasto ignorando totalmente a exuberante cena a sua frente.
          Segundo ou fenomenólogo, hermeneuta, analítico-existencial ou outra forma qualquer destas das quais Heidegger gosta de se auto-denominar, diz algo importante sobre esta questão de poder compreender e interpretar um fenômeno. Para ele, os estados de ânimo são uma estrutura fundamental que determinam ou melhor condicionam a forma como compreendemos o mundo a nossa volta. Se nosso ânimo estiver tumultuado em um enorme turbilhão, então nossas emoções entrarão em convulsão, nossa sensibilidade ficará vulnerável e suscetível e nosso entendimento ficará completamente míope, incapaz de qualquer processo intelectual.
             Por outro lado, se nossos estados de ânimo estiverem navegando em águas calmas e nosso entendimento e sensibilidade estiverem com suas faculdades minimamente ativas, ou seja, se não se tratar de cretinos completos, então sim haverá a possibilidade para o espetáculo se apresentar diante dos nossos olhos. Do contrário, tudo seguirá na monotonia, no marasmo e na ignorância de sempre; desse modo, nem a arte se saberá arte, nem o espetáculo se reconhecerá com tal, nem o mundo será propriamente mundo e a vida... será apenas um breve caminho, uma passagem, um atalho que leva do nascimento até a morte.

Um comentário:

  1. O que te faz pensar que o turbilhão do nosso estado de ânimo compromete a nossa compreensão do mundo? será que o nosso entendimento do mundo realmente fica míope? não seria, ao contrário, apenas uma compreensao mais ácida e cruel da realidade que em um estado de ânimo "equilibrado" nao é percebida? A anarquia dos sentimentos não impede de ver o espetáculo do pôr-do-sol.

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