Ser humano: um ser para a morte
Tatiana Palm
O ser humano, de um ponto de vista não
filosófico, pode ser compreendido como um ente que em seu existir no mundo é
livre para ser aquilo que quiser ser, uma vez que, somos dotados da capacidade
de fazer escolhas. Aquilo que somos nada mais reflete do que as nossas
escolhas. Contudo, de um ponto de vista heideggeriano não é bem assim.
Heidegger comprende o homem como um existente mundando que essencialmente é
poder-ser, mas com isso ele não quer dizer que ele possui uma liberdade total e
absoluta, pois, o considera livre para a impropriedade ou propriedade. Em
outras palavras, ao existir o ente humano é um poder-ser em sentido autêntico
ou inautêntico.
O
existir humano cotidiano, habitual, comum, geralmente, está imerso e absorvido
no seu mundo circundantee, e, por isso, deixa-se conduzir pelas ocupações
cotidianas e por aquilo que vem ao encontro nas ocupações, os outros, as
coisas. O
seu eu, que é composto por desejos, ambições, ocupações, se dissolve nas
coisas, nas trivialidades, no jogo social, sem, no entanto, deixar de ser ou
estar preocupado. Apesar de estar imerso nas ocupações e tarefas o existente
humano se mantém alerta seja em relação
aquilo que diz respeito a ele mesmo (por exemplo, a preocupação com o conforto)
quanto com aquilo que esta relacionado às coisas (por exemplo, com o dinheiro e
o trabalho) e aos outros (por exemplo, a preocupação com a aparência). Esse
modo de ser que somos primeiro e na maioria das vezes é chamado de o modo de
ser do “a gente”, pois se caracteriza como um existir em que sofremos
durante a maior parte do tempo a influencia do que nos é exterior, isto é,
estamos tão absorvidos pelo mundo das ocupações e das coisas bem como pela
copresença dos outros que deixamos isso determinar o ritmo da nossa existência,
a dança do nosso ser-no-mundo.
A
nossa existência cotidiana, portanto, não é nem um pouco própria, mas
completamente imprópria. É a inautenticidade o nosso modo de ser habitual e
cotidiano, uma vez que, geralmente não somos nós mesmos, mas os outros à
maneira do “a gente” (Safranski p.203) e, na maior parte das vezes,
permanecemos assim. Mas não é possível viver de outro modo?. É possível deixar de existir de modo inautêntico e
viver de modo autêntico?, Sim, diz
Heidegger. Não é nem um pouco incomum o
fato das pessoas viverem uma existência inautêntica e nunca deixar de habitar
nela, assim como não é incomum o fato de que cotidianamente e com freqüência
nos esforçamos para não cair fora dela, porém, um outro modo de ser é possível,
mas para isso é preciso ocorrer esse “cair para fora”. Esse modo de ser que se contrapõe ao inautêntico é caracterizado como sendo uma existência em que
temos “as rédeas da vida em nossas mãos”, é uma existência onde o existente
humano decide por si mesmo e não deixa que os “outros” lhe roubem a decisão e
com isso a responsabilidade por aquilo que ele é ou deixa de ser. Mas, na
verdade, esse modo de existir não acontece independentemente do outro. Somente é
possível uma existência autêntica porque, primeiro, vivenciamos uma existência
inautêntica. Em outras palavras, a existência autêntica não é outra coisa senão
uma modificação em nosso modo de ser inautêntico.
Uma existência autêntica é possível
na medida em que o existente humano assumir a sua condição de ser finito, ou
seja, a autenticidade depende do ato de tomar consciência daquilo que de um
modo ou de outro todos já sabermos, a saber, do fato de que somos mortais.
Entretanto, não basta ter consciência da nossa própria finitude senão que é
necessário ter presente a possibilidade da morte sempre que realizamos as
escolhas que definem aquilo que somos no mundo. Assim como cada um é as suas próprias possibilidades, do mesmo modo,
cada um é a possibilidade do seu próprio fim. A morte, contudo, não é uma
possibilidade qualquer, mas é a possibilidade mais própria, certa, intransferível,
insuperável e extrema do ente humano. Na medida em que tornamos presente essa
possibilidade passamos a existir de um modo tal que “o destino da nossa vida está
nas nossas mãos”, ou seja, temos a oportunidade de poder-ser-si-mesmo uma vez
que, nossa vida resultaria de decisões que tomamos por nós mesmos e não de
decisões impessoais, conduzidas pelo “a gente”.
O que é fundamental, porém, é o fato de que mesmo existindo de maneira
autêntica vivemos, como na existência inautêntica, pre-ocupados. É claro que o
foco das preocupações é outro, mas ela está aí, se impondo, nos dominando.
Certamente, não nos preocupariamos com os outros ou com as coisas, nem com a
aparência ou com dinheiro, mas, é uma preocupção de tem um cunho mais “existencial“.
Se vivessemos de modo autêntico ficariamos preocupado em como fazer a escolha
certa, com o sentido e o valor daquilo que se é ou daquilo que se faz ou do que
se escolhe. Também não deixarimaos de nos preocupar, de um modo diverso é
verdade, com o futuro (quanto tempo ainda me resta). Enfim, mesmo existindo de
um modo próprio o ser humano não está livre da preocupação.
Como constatamos a preocupação faz
parte tanto do modo de ser autêntico quanto do inautêntico, isso porque, como
diz Heidegger, a preocupação pertence à essência do ser humano. Se é assim, então,
nos iludimos quando pensamos que podemos ter um vida sem preocupação, também não
sabemos nada de nós mesmos quando, acreditando ser diferente, culpamos os
outros por viverem excessivamente preocupados. A preocupação de cada existente
humano, seja daquele que faz parte de
uma existência autêntica quanto de uma inautêntica está intimamente relacionada
ao tempo. Heidegger nomeia essa preocupação, que inevitavelmente nos pertence,
de cuidado (sorgen). O cuidado é, heideggerianamente falando, o ser do
ente que é o homem. O homem, enquanto ser-no-mundo, cuida de si mesmo, dos
outros e das coisas. O tempo, por sua vez, é o sentido do ser do existente
humano, ou ainda, é o sentido do cuidado. Isso é assim porque é o tempo que
determina o significado do cuidado, é ele que fixa aquilo com que nos
preocupamos enquanto existimos no mundo.
O que é objeto de preocupação, está relacionado com o tempo. E, neste tempo, tempo
que é caracterizado por George Carlin, como um tempo em que
“nós bebemos demais,
fumamos demais, gastamos sem critérios, dirigimos rápido demais, ficamos
acordados até muito mais tarde, acordamos muito cansados, lemos muito pouco,
assistimos TV demais e rezamos raramente. Multiplicamos nossos bens, mas reduzimos nossos valores. Nós amamos
raramente, e odiamos freqüentemente. Aprendemos a sobreviver, mas não a viver.
Adicionamos anos à nossa vida, e não vida aos nossos anos. Fomos e voltamos à
Lua, mas não cruzamos a rua pra encontrar um novo vizinho. Conquistamos o espaço,
mas não o nosso próprio. Fizemos muitas coisas maiores, mas pouquíssimas
melhores. Limpamos o ar, mas poluímos a alma; (…) Escrevemos mais, mas
aprendemos menos; Planejamos mais, mas realizamos menos. Aprendemos a nos
apressar e não, a esperar. Construímos mais computadores, mas nos comunicamos cada
vez menos. Estamos na era do 'fast-food' e da digestão lenta; Tempo do homem
grande de caráter pequeno; Dos lucros acentuados e relações vazias. Essa é a
era de dois empregos, vários divórcios, casas chiques e lares despedaçados.
Essa é a era das viagens rápidas, fraldas e moral descartáveis. Dos cérebros
ocos e das pílulas "mágicas" Um momento de muita coisa na vitrine e
muito pouco na dispensa …”.
Neste tempo, com o que devemos nos preocupar? Do que devemos cuidar?
Neste tempo, com o que devemos nos preocupar? Do que devemos cuidar?
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