respire

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domingo, 7 de março de 2010

Cidade maravilhosa




Tatiana Palm


     A cada manhã ela pegava o ônibus e ia ver o que seus olhos ainda não tinham visto, a não ser pelo disfarce da tela da tv. Caminhava de uma ponta a outra na Central do Brasil, e, em ruas laterais, outra vez, pegava o ônibus e seguia, pagando passagem, de ponta a ponta até descobrir a cidade, pelo direito e pelo avesso. Percorreu quadras que formavam uma colcha de retalhos, construídas com pequenos recortes, uns cinzas outros coloridos. Nesses dias ela era estrangeira. Nesses dias com sol e noites com lua, ela não conseguia se reconhecer em nada, mas a história estava ali, nas construções, nas ruas, no contraste das cores e classes. À cidade chamam-lhe de maravilhosa e ela relembrando uma velha música, pensava: purgatório da beleza e do caos. Não foi nesse lugar que ela veio ao mundo, mas, de tanto ouvir falar, visitou-o depois de uma certa idade. Talvez por isso a percepção do olhar foi outra, diferente daqueles que vivem ali, nascidos ali, multiplicados ali. Enquanto passavam-se as horas e desfaziam-se os dias, ela, pela cidade, viajou e caminhou em busca da beleza entre um ar fétido e uma realidade dura e violenta. Escondido, por trás do colorido dos aranha-céus, o cinza dos casebres, o drama dos barracos. Relembrou, pela primeira vez, Galeano: nos bairros altos, vive-se como em Maiami, miamiza-se a vida, e, pensou: nos bairros baixos, vive-se como no Haiti, haitiza-se a vida. É gente de todos as cores e tamanhos, inteiros e mutilados, sinceros e fingidos. E, pela segunda vez, lembrou Galeano: alguns na desesperação total, caminhando na beira da loucura, os ninguéns que sonham em deixar a pobreza, que não são, embora sejam. Ela, estrangeira há uma semana na cidade, estava agora de partida, sentia-se bem, mas incomodada com aquelas vivências, com o que a cidade esconde, mas não ignora, porque teme. Quando a noite se fez dia ela quis se despedir, mas não lhe ocorreu nada, nem uma palavra...

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