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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Guerra e paz entre os sexos

Guerra e Paz dos Sexos
Luciano Palm
"Mesmo que certas páginas sejam bem escritas, foram meu coração e minha carne que escreveram bem, não minha inteligência".
Albert Camus. Ensaios.

A eternidade finita



     Por séculos e séculos a humanidade buscou incansavelmente a eternidade, a imortalidade; e buscou até nos mais distantes recônditos do universo, além, muito além do que os humanos olhos pudessem alcançar, além deste mundo e além desta vida. Oh inocente e profundo engano, não sabiam que além do que os olhos podem ver e o corpo sentir só encontra-se o vasto e fértil campo onde a imaginação faz germinar seus mais etéreos sonhos e fantasias.
     Imaturamente identificou-se na morte pessoal e individual um adversário temível e intransponível; e todas as demais limitações e necessidades humanas foram encaradas como vergonhas mortais e pecaminosas a serem silenciadas. Desse modo, o aprisionamento das vontades humanas e de todas as demais potências vitais foi consagrado, durante longos e mórbidos séculos, como sinal de santidade e de virtude. Mas, sejamos sinceros com nós mesmos; que virtude há no comportamento masoquista de mutilar nossas vontades, nossos sentimentos fraternos de íntima comunhão e de nossa própria vida? O que se espera de um ser que vive não é exatamente que ele viva e potencialize sempre e cada vez mais suas forças vitais, as suas e de toda a sua espécie? Ou como escreve Nietzsche em seu Zaratustra: “ ... e se todas as crenças e verdades milenares e todas as tábuas de valores até hoje aceitas como verdades eternas e definitivas não passassem de mera mentira e engano?...”
      Assim, desde cedo aprendemos a viver olhando para fora do mundo em busca de um refúgio seguro e confortável, nosso olhar foi adestrado de forma torta, vesga e parcial. Contudo, não há vida sem morte, assim como não há sagrado sem profano, nem masculino sem feminino, assim como, não há felicidade sem dor. Admitamos, o que poderia haver de sagrado na esterilidade do celibato de uma divindade que representasse apenas metade da humanidade? Eis um equívoco que jamais seria admitido pelo mestre dos mestres, mas, apesar dele, neste, assim como em outros aspectos, os humanos com seus ouvidos atrofiados e seus interesses tendenciosos distorceram seus ensinamentos e ignoraram seu exemplo. Afinal, o masculino isolado representaria apenas uma flecha arremessada ao nada, ao vazio; uma busca fadada à brutalização, ao fracasso e à morte definitiva sem a presença do feminino.
     A santidade (entendida como um estado de plenitude, equilíbrio e harmonia consigo mesmo, com os outros e com o mundo) só pode se dar e efetivamente se encontra na união, ou seja, na comunhão. Neste sentido, lembremos e interpretemos os símbolos do masculino e do feminino de acordo com os propósitos desta reflexão. O símbolo fálico do masculino, representação do poder e da força, pode também ser interpretado como uma seta Λ, ou ▲, ou ainda ♂. Enquanto que o símbolo feminino, representação da fertilidade, do acolhimento e da compreensão, pode ser interpretado como o alvo, um destino, um ponto de chegada e de redenção, já que simboliza originalmente o ventre materno, reduto e berço da fecundidade e de toda vida V, ou▼, ou ainda ♀.
      Desse modo, a eternidade não se encontra além deste mundo ou desta vida, ao menos não para nós humanos, limitados e imperfeitos, demasiadamente humanos para usar uma expressão nietzschiana. Também não há, nem nunca houve nada de errado ou pecaminoso na união carnal e espiritual de um homem e de uma mulher, senão a mais sagrada comunhão de dois seres no amor, no respeito e no companheirismo (inclusive companheiro ou companheira era o modo como as antigas comunidades judaico-cristãs se referiam aos seus maridos e esposas). A união do masculino e do feminino (a chave da eternidade) representam a completude perfeita, a união carnal, um dos maiores prazeres possíveis a um ser humano e sobretudo o caminho para a imortalidade, ou seja, a possibilidade da continuidade da vida sobre a Terra. Não falo aqui da eternidade e da imortalidade dos seres individuais, mas da espécie (da humanidade como um todo).



Sob o véu de Maia



ou



(Segredos do leito nupcial)

     Insinuantes e provocantes andam por aí fêmeas de todas as espécies a pulsar o universo masculino na perpétua batalha pela sobrevivência e pela vida. Na espécie humana, o sexo transcende sua mera animalidade e ganha feições e significados culturais (psicológicos, sociais, políticos e econômicos). Para o ser humano o sexo vai muito além da possibilidade da perpetuação da espécie, ele vai além e aquém disso. No cálice feminino (V), símbolo da feminilidade, não se bebe apenas as águas da vida biológica, mas da vida cultural também. Pois, cada qual é tão grande ou tão pequeno quanto o possibilita sua realização sexual. A grandeza de um ser humano pode ser medida segundo o que há de mais humano nele, no elo de ligação entre o animal e o cultural (e civilizado), isto é, o sexo (em suas mais variadas significações).
     Para as mulheres, o sexo representa uma importante arma de sobrevivência. Todas as mulheres deveriam ter incluído em seus aprendizados de “economia doméstica” as artes do prazer, do sexo e dos possíveis usos que dele podem ser feitos. Com o sexo, a mulher pode decretar em seu lar a paz perpétua ou o caos desolador, ter em seu marido um companheiro fiel e solicito ou um inimigo hostil e arisco (quando não tiver seus desejos e necessidades realizados e satisfatoriamente garantidos).
     Em épocas passadas, quando a moral ainda tinha um poder coercitivo bastante forte, as mulheres viam praticamente resguardado o seu monopólio no uso e desfrute dos prazeres (ao menos dos oficialmente assegurados, daqueles que se podiam desfrutar sem culpa e punição, moral ou legal). Contudo, em tempos de afrouxamento moral e de amores e desejos híbridos, em que o feminino perde sensivelmente o monopólio de símbolo da beleza e o heterossexualismo se converte num pansexualismo (quase assexuado); a mulher se vê ameaçada e acoada, com sua posição e importância sociais abaladas e sua identidade de gênero posta em crise.
     Para se assegurar, a mulher deve oferecer o máximo de prazer (sempre conservando a ilusão de que há muito mais a oferecer). Não deve ela se entregar sempre que solicitada, a fim de deixar seu pretendente sempre solicito aos seus anseios, fazendo tudo o que lhe é pedido com presteza e sem jamais reclamar de nada, na promessa da tão esperada retribuição prazerosa do gozo. Ela também deve saber fazer o efusivo e intempestivo desejo evoluir rapidamente para relações mais sólidas e permanentes (como as relações de companheirismo, carinho, afeto fraterno e respeito mútuos), construindo assim, a estabilidade e segurança emocionais que lhe garantiram no futuro o amparo necessário. Pois, se é verdade que o poder de sedução feminino é infinitamente mais poderoso do que o masculino, também é verdade que seu “prazo de validade” (ao menos no que tange à animalidade e ao corpo) é menor e mais limitado.
     Também os homens podem fazer um uso salutar e oportuno da sexualidade. Se por um lado, o poder social de sedução do feminino é mais forte e decisivo, por outro, a intimidade do leito resguarda um importante rearranjo e redefinição dos papéis entre as partes. A seta (♂, Λ), símbolo masculino da virilidade, indica, além da missão biológica de acertar o alvo a fim de perpetuar a espécie, também a função social de conduzir, dar a direção e dominar a “fera” feminina que há em toda mulher. A citação bíblica que diz, “o senhor é meu cajado e minha vara”, poderia analogicamente expressar o desejo de segurança, conforto e prazer que toda mulher busca no instrumento fálico masculino. No leito nupcial, há um jogo contínuo de dar e receber prazer, um jogo de atividade e passividade que cabe ao homem direcionar (mesmo quando a mulher se encontrar no desempenho dos papéis ativos).
     Durante longos séculos, anteriormente a emancipação feminina (enquanto a mulher era considerada apenas propriedade do seu marido), os homens visavam apenas a própria satisfação e nada mais. Contudo, a partir do momento em que a mulher também vê assegurado para si o prazer do gozo (e o exige como um direito fundamental inclusive), o homem não pode se descuidar de que sua esposa se veja plenamente satisfeita como fêmea e como mulher. Ao contrário do prazer masculino, que se encontra sempre muito associado com a própria animalidade, o prazer feminino é muito mais abrangente, pressupondo, sobretudo, e antes de mais nada, de sua satisfação pessoal, social e emocional, para só então, resultar em satisfação carnal. Pois, a mulher tem o seu gozo garantido antes em seu imaginário e em sua consciência, para só então, conseguir fazer o seu corpo gozar. Um homem excessivamente egoísta ou que se descuidar deste universo peculiar que é o universo feminino terá sérios riscos de não conseguir sustentar uma longa relação ou de ser facilmente traído por um par que melhor corresponda a estes anseios velados.

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