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sexta-feira, 11 de março de 2011

Banho de estrelas

Crônica da vida cotidiana...

Banho de estrelas
Luciano Palm
          Era noite de quarta-feira de cinzas, depois de um dia de trabalho, eu estava em casa. Após ter tomado um banho e comer alguma coisa, deitei no sofá e li alguns artigos de uma revista. De repente, lembrei que tinha que tratar de alguns assuntos com minha vizinha e fui visitá-la. Chegando lá, sentamos na área com a porta da sala aberta, através da qual se avistava uma enorme televisão, tela plana de LCD, 42`` e com TV a cabo. Conversamos e assistimos juntos ao final do Jornal Nacional, enquanto comíamos uma fatia de melancia.
          Naquele momento, foi impossível não lembrar de minha televisão em casa, com sinal precário devido a uma antena ruim (que uso quase exclusivamente para assistir a filmes e documentários). Quando olhei novamente para a TV, faço um comentário despretensioso dizendo: "_ Eu não assisto esta novela". Ao que surpreendentemente minha vizinha respondeu: "_ Eu também não, deixo a TV ligada só pra fazer barulho".
          Após a visita, voltei para minha casa, peguei meu chimarrão e sentei nos fundos de casa e tomei o que eu chamo de banho de estrelas. Sentado ali, avistando o topo da árvores, o céu limpo e salpicado de estrelas (como frequentemente ocorre nas noites de verão em Teutônia e região) comecei a refletir sobre o meu dia. Mergulhado na imensidão das estrelas pensei: "Quem estaria mais conectado? Eu ou minha querida vizinha com sua TV de tela plana de 42" que, na maioria das vezes, só serve para fazer barulho para espantar a solidão?"
         É estranho observar como a maioria das pessoas sente-se extremamente desconfortável na própria companhia. O barulho da TV, ou também presença de um animal doméstico, são, em muitos casos, alternativas para fugir de um vazio existencial sentido pelas pessoas. Lembrei-me então, das chamadas práticas do cuidado de si mesmo, ensinadas pelos filósofos da Antiguidade como caminho para a sabedoria. Tais práticas podem ser resumidas nos três preceitos inscritos no antigo Templo de Delfos, em Atenas, na Grécia: 1) Conhece-te a ti mesmo; 2) Domina-te a ti mesmo, e; 3) Nada em demasia. Para a realização dos três preceitos, se recomendava que toda pessoa, ao final de cada dia, elaborasse um discurso de si mesmo, ou seja, que fizesse, ou de forma escrita, ou apenas através de uma reflexão, um balanço sobre seu dia e sua vida, definindo suas prioridades e objetivos, avaliando seus acertos e erros, os aspectos positivos e negativos, etc.. Desse modo, acreditavam os antigos que uma pessoa estaria mais "conectada", mais conscientes de si mesmas e de sua vida, tendo assim, maiores condições de alcançar o que chamamos de realização ou felicidade.
          Longe de criticar ou tecer qualquer juízo de valor sobre a vida e os hábitos de minha querida vizinha (ou de quem quer que seja), apenas despertei para a necessidade de abrirmos canais de comunicação com nós mesmos. Conhecer a si mesmo, significa conseguir dialogar consigo mesmo e refletir sobre a sua vida pessoal, social, profissional, familiar, etc.. Pois, como disse Sêneca (filósofo romano do séc. I): "Nenhum ser humano chega ao seu destino se não sabe para onde vai". Neste sentido, só saberemos o que realmente queremos e para "onde queremos ir" em nossas vidas, se conseguirmos refletir sobre nós e nossas vidas. E assim, continuamos todos conectados, pois, como disse o poeta português Fernando Pessoa: "Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum".

Um comentário:

  1. Adorei esse post, disse muito da minha vida atual. Obrigada e parabéns ;)

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