Quando se viram abandonados por seus deuses, os gregos reconheceram e identificaram no logos as respostas, representações, compreensões e explicações do mundo. Sentindo-se abandonados e traídos pelos mitos, os gregos acabaram direcionando sua sede de vingança também para o fundamento sobre o qual os mitos se baseavam, a imaginação. Depois dos mitos, nenhum animismo, nenhum deus deveria resistir sob o império da razão, nem mesmo a arte resistiria sem a insignia de mentira e falsidade.
O logos grego, por sua vez, também sofreu com os efeitos do tempo e com a mudança de espaço. Toda mudança de lugar sempre causa crises de identidade, assim ao chegar em terras latinas o logos tem seus sentidos estreitados, e, quando finalmente desembarca em terras portuguesas, ele é genericamente batizado de razão. Razão em português é sinônimo de inteligência e entendimento. Nesse sentido, perde o seu sentido essencial, isto é, o seu sentido de linguagem e de discurso. Pois, o que é em última instância a inteligência e o entendimento senão linguagem, mesmo os conceitos, o que são senão palavras. Então, o reino dos sentidos humanos reside no lar da linguagem sob os cuidados da palavra, e, só procria, gerando verdades, através do diálogo, ou seja, da palavra compartilhada.
Contudo, falando não se compreende nem se explica tudo, mesmo que seja nas mais elaboradas e sofisticadas arquitetônicas conceituais. Os maiores segredos, os mistérios do mundo, permanecem guardados nas entranhas do mundo, e, ao mesmo tempo, se mostram com clareza ofuscante nas coisas simples (no silêncio das plantas, no barulho das águas de uma cachoeira, ou mesmo na inércia de uma pedra, pela qual passamos indiferentes imersos em nossas pequenas preocupações cotidianas).
Palavra, palavra... Menina implacável: que submete o mundo humano, que prostra a seus pés todos os seus sentidos. Menina vaidosa: que se disfarça sob as mais variadas vestes. Palavra filosófica: reflexo de nossas angústias, dúvidas, medos e admirações. Palavra poética: libertadora e divina, criando o impossível no solo das possibilidades, fazendo germinar o belo no campo de nosso imaginário. Palavra científica: que petrifica a tudo e a todos, sem deixar nada escapar ao arrebatador olhar de medusa. Palavra religiosa: a eterna busca do sagrado nas veredas incertas do profano. Palavra veneno, que distribui intrigas, mentiras e discórdias na infelicidade de bocas que não sabem calar. Palavra remédio: cura de distúrbios e perturbações de nossos fantasmas silenciosos e conforto amoroso nas compreensões e conselhos de quem cuida. Palavra vadia: que vaga perdida, jogada nas valas da vida, rolando na boca em gostosas conversas de amigos. Palavra, menina mulher, senhora da verdade e da mentira, criadora dos grandes e dos pequenos significados, desta densa, extensa e intrincada invenção histórica chamada humanidade.
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