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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Descrentes e desorientados

DESCRENTES E DESORIENTADOS
Tatiana Palm
            Nós, homens pós-modernos, vivenciamos uma situação de abandono. Nos encontramos abandonados por deus e pelos grandes ideais. Nosso mundo, por isso, é desencantado. Quanto ao desencanto, somos culpados ou inocentes? Nossa existência é filha da ciência e neta da religião. Isso significa que, se antes o cosmos era ordenado por deus, agora, é ordenado pela ciência. Se antes existia um sentido metafísico unificante (deus), agora, este sentido unitário está estilhaçado. A ciência, tornou tudo analisável, classificável, mensurável, explicável e, desse modo, retirou o sentido objetivo do mundo. Ela o reduziu a meros nexos causais. Tudo se explica pela causalidade. Tudo, porém, de modo fragmentado. O mundo não é outra coisa senão uma mera máquina, e, por ser mecanizado, é perfeitamente explicável. Essa ciência que a tudo explica desencanta porque contribuiu para despojar o sagrado do mundo. Com os progressos da ciência e da técnica o homem deixou de acreditar em deus (nos espíritos e nos demônios) e, assim, deixou de ter valores metafísicos e religiosos como orientatores de sua conduta. A ciência, no entanto, nada tem a dizer sobre o sentido das coisas antes confirma a ausência de sentido objetivo naquilo que existe. Ao que parece, então, somos muito mais vítimas (inocentes) do que culpados do vazio que anda se apossando de nossa existência.
          A ciência provocou o desencantamento do mundo e, junto com isso, o esvazimaneto de sentido que se reflete em nós, em nosso sentimento, no sentimento de nada, de non sense, na nossa falta de ideais objetivos. Em um mundo assim, desencantado, o que nos resta? Nos resta, como sugeriu Aron, a escolha solitária, uma decisão que cabe a cada um de nós, diante de sua consciência: a decisão a favor de um deus que pode ser um demônio. Sim, cabe ao existente mundano ouvir a sua consciência para optar por crer em um deus que pode ser um demônio porque frente as atrocidades que andam acontecendo pelo mundo a fora, até mesmo os crentes andam duvidando da benevolência de seu deus. É uma questão de consciência optar por crer em deus e, desse modo, não ver o mundo como algo vazio e sem sentido. Sim, pode ser, mas nossa cosciência não se forma a partir do mundo, do contexto, de nossas vivencias, enfim, ela não é histórica?
          A consciência pode ser considerada como aquilo que define a humanidade do ser humano. É por ter consciência de que somos humanos. Ela possui uma carater individual e, ao mesmo tempo, coletivo. Em todas as sociedades, existem padrões de comportamento, costumes, valores, hábitos, visões de mundo que são próprios de cada organização social. Como sugeriu Durkheim, a consciência se forma na medida em que internalizamos o conjunto de crenças, sentimentos, valores, hábitos, visão de mundo comuns aos membros da sociedade a que pertenço. Assim, a consciência que tenho do mundo no momento que o sinto, percebo, compreendo e significo não é neutra, mas vem carregada de uma bagagem cultural e histórica. A forma como percebemos o mundo ou como o mundo se apresenta a nós depende da consciência histórica que carregamos, mais precisamante, depende da nossa consciência sujetiva formada histórica e coletivamente. Dito de outro modo,o recorte que relizamos da realidade toda vez que a percebemos, compreendemos, significamos, mantém uma relação íntima com a consciência que o eu possui do mundo. Se assim for, como podemos, pela nossa consciência, decidir por crer em um deus? Se a formação da nossa consciência depende de um contexto histórico-social, então, ela não pode nos conduzir a escolher por um deus, pois, foi justamente isso o que nos foi tirado, destruido, com o desenvolvimento da ciência.
           A questão é: é possível viver sem deus? Dostoiéviski já disse que se deus não existisse então, tudo é permitido … É possível optar pela vida e não pela morte quando já não existe um grande ideal? Certamente sobrevivemos porque fugimos de nossa situação absurda nos apegando a ideais particulares e fugazes, como ter um casa, ter um carro, ter um filho e, assim, cada vez mais somos seres vazios, individualizados, unicos, solitários porém, vivos. Assim cada vez mais acorrentados a coisas pequenas e de valor subjetivo mais perdemos a dimensão do todo, mais nos afastamos da ideia de que tudo é um e de que eu não sou diferente do outro senão um outro igual. É possível resgatar o sagrado? É possivel deixa-lo, outra vez, fazer parte da nossa vida? É preciso reapreender a ouvir a nossa voz interior calada pela corrupção humana. É pela interiorização que o indivíduo moderno pode encontrar o sagrado.

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