O verbo e a carne
Luciano Palm
Luciano Palm
No princípio, toda energia se concentrava no espaço diminuto da ponta de uma agulha. O êxtase da explosão inicial nos fez maiores do que qualquer imaginário miserável pudesse captar, a expansão do universo é a contradição cruel da pequenez do ser aprisionado ao corpo que só consegue se desvendar na incompletude do discurso. Toda palavra, concebida na limitação inconstante da linguagem, é tão mais complexa e limitada do que a simplicidade e plenitude daquilo que se sente.
Complicamos excessiva- e desnecessariamente as maravilhas da alma, porque somos prisioneiros rendidos pelas delícias do corpo. O que se sente não tem forma, nem cor, nem cheiro, vive na plenitude do inaudito. Estamos fadados à incompletude, mas nossas expectativas não se cansam de planar sobre novos horizontes (possíveis ou impossíveis), como flechas selvagens e indomáveis que se recusam a se resumir as limitações do corpo e nem as extravagâncias da alma. Por que falar, se o grito e o silêncio são o eco de toda possibilidade do ser. Quero gritar em meio ao silêncio de tudo aquilo que ainda não vivemos. Quero ousar novos passos, arriscar novos caminhos e desafiar constantes tropeços, pois, quero viver como quem dança e não morrer como quem rasteja. De que me interessa toda lógica, quando o absurdo se configurou, desde a muito, em regra universal. Bobagens vãs, murmuradas em bocas infantis, lógica e absurdo não são dois lados distintos de uma mesma moeda, senão que são a própria moeda, o valor de troca e de consumo dos êxtases e frustrações dos seres cotidianos.
O discurso racional é camaleão das inconstâncias das volições existenciais, tradução infiel do querer. Limito-me a escrever o que a pouco senti (e não vivi), desperdiçando palavreado covarde e preguiçoso.
Mas a palavra é tudo o que temos, somos e podemos ser. As Sagradas Escrituras se equivocaram, o verbo não se fez carne, nós somos o verbo... o corpo (a carne) é apenas o veículo, a prisão, a fortaleza, a muralha, o santuário, o refúgio, o abrigo. Mas a estranha reciprocidade entre o verbo e a carne, confunde suas coxas, os dois se enroscam de maneira tal que é impossível distinguir um do outro. São cúmplices de suas angústias e êxtases, de suas aventuras e desventuras.
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