Trabalho e exploração alternativa
O que lhe vem à mente quando você pensa em comunidades alternativas ou (como são conhecidas atualmente) em comunidades sustentáveis? Pensas em um lugar onde se vive de maneira diferente, mais sustentável e saudável, cooperativo e solidário?
O que andei percebendo, ao abrir a janela para o mundo que estava fora, ao estabelecer os primeiros contatos com comunidades alternativas é que apesar de viver de maneira mais sustentável e saudável, as relações dominantes do modo de produção capitalista se transfiguram também para a prática de modos de vida alternativos. As relações dominantes do sistema capitalista silenciosamente se instalam, e, assim vai se legitimando práticas de dominação e exploração. Será que não há possibilidade das relações humanas ou de comunidades fugirem do domínio do capitalismo? Será que qualquer alternativa ao modo de produção capitalista sofre interferências?
Uma comunidade sustentável legítima é aquela em que existe, verdadeira e efetivamente a troca solidária, tanto dos produtos que produzem de forma excedente e dos serviços quanto do saber, e, por isso, ela pode ser um grande fator de transformação social. E mais, uma comunidade sustentável assim como uma cooperativa legítima pode contar com uma base econômica que lhe dá possibilidade de agir livre e autonomamente no aspecto financeiro, sem depender diretamente do dinheiro do estado ou do capital. Este fator faz com que as comunidades sustentáveis possam estabelecer relações bem diferentes e até mesmo antagônicas, das relações de dominação e exploração capitalista.
No entanto, o que vemos estar acontecendo é que a autonomia econômica de tais espaços alternativos dependem da dominação e da exploração. Embora não se vende a força de trabalho, já que nada se recebe em troca, doa-se o trabalho e ainda se paga pelo próprio sustento e pelo conhecimento que se pode obter dentro de tais espaços. O que temos, então, é a exploração por meio do trabalho, ainda que de forma aparentemente diferenciada. Se alguém, por exemplo, se sente explorado dentro do sistema capitalista pelo fato de que não recebe um valor econômico justo em relação ao seu trabalho; se, cansado e desiludido com o sistema capitalista e explorador, buscar uma vivência ou fazer uma experiência em uma comunidade alternativa irá se deparar com uma outra face da exploração. Neste espaços alternativos é recorrente o discurso do trabalho voluntário, e, o que exatamente se quer dizer com isso é que você trabalha (geralmente 6hs por dia), porém, não recebe nenhum valor econômico em troca. Até aqui está tudo bem, pois nos parece que a essência do trabalho voluntário seja exatamente isso, não envolver dinheiro. O que ocorre, no entanto, é que não há uma troca efetiva, pois, você oferece o seu trabalho, mas não recebe nem hospedagem nem alimentação sem pagar. Ainda mais difícil será receber algum tipo de formação ou conhecimento. Isso reproduz a mesma lógica do sistema capitalista. O trabalho humano é oferecido, é gasto para se construir ou manter algo, porém, o trabalhador (voluntário) não recebe nada em troca. E, mais do que a exploração, que acontece exatamente quando se usa o trabalho dos outros para atingir um fim, nestes espaços alternativos se reproduz a exclusão, já que se não se pode pagar (por um curso, por uma vivencia), se está fora.
A ideia capitalista de que “aquele que tem mais” comanda, também se tornou comum entre os “irmãos” das comunidades e centros sustentáveis. Essa relação de dominação se revela, por exemplo, quando alguém que é mais velho pode mais ou quando alguém que tem um certo conhecimento se coloca na posição de quem sabe mais. É verdade que temos dentro de nós relações de dominação uma vez que fomos formados dentro de relações autoritárias, reprodutoras do sistema, porém, espaços que se dizem alternativos devem se preocupar em trabalhar essa questão da dominação, principalmente, em relação ao saber. A ideia de que uma pessoa é superior a outra por saber “mais” é falsa, pois, todo saber é uma experiência, e o que há são saberes diferentes e não maior ou menor. É importante que se estabeleça relações de igualdade, para que elas sejam relações dialogais e não verticais. O diálogo supõe uma igualdade de posições. No verdadeiro diálogo um está ao lado do outro e não um por cima do outro, já que todos sabem alguma coisa.
É isto o que vejo. Quisera eu não ter aberto a janela que dá para o outro mundo e ficar a imaginar o que se passava lá fora, no outro lado, no outro modo de vida. Parafraseado Pessoa: e o sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse nunca é o que se vê quando a janela se abre.
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