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sábado, 12 de maio de 2012

Nova Ordem


Nova ordem
 Luciano Palm
                Se pensarmos a vida espiritual e cultural do modo mais amplo possível, veremos que nada a caracteriza mais fielmente do que a mudança, a transformação. poderíamos caracterizar o processo vital como uma metamorfose- Não, pelo menos não como o pensaremos aqui, pois a metamorfose implica a transformação de um organismo em algo radicalmente diferente do que era antes, como ocorre com os sapos e borboletas no reino animal. Com a vida espiritual e cultural ocorre algo diverso, as transformações que marcam este processo vital, ampliam ou estreitam as visões de mundo, mas jamais abandonam as fronteiras da cultura, jamais deixam de ser expressão da espiritualidade humana (mesmo as metamorfoses poderiam ser incluídas nesta perspectiva, se incluíssemos o reino animal em nossa reflexão).
                Durante a história da humanidade podemos observar várias revoluções de pensamento, mudanças de paradigmas (o modo como nos referimos a este fenômeno depende do fundamento teórico que assumirmos), isto é,  acontecimentos e descobertas que mudaram a forma do ser humano compreender a si mesmo e o mundo. destas revoluções, interessa-nos sobretudo a chamada Revolução Copernicana, operada no Renascimento por Kepler, Copérnico e Galileu, que mudaram o eixo da compreensão cosmológica da Terra (Geocentrismo) para o sol (Heliocentrismo). Na esteira desta revolução foram lançadas as condições para a edificação de um novo mundo, científico, indústrial e urbano. a visão do mundo inaugurada no Renascimento e amadurecida na Modernidade teve longo fôlego, seu ápice pode ser situado no Iluminismo (Esclarecimento dependendo da compreensão ou tradução), mas suas marcas ainda podem ser observadas em nossa civilização digital e cibernética, antropocentrismo exacerbado (egoísmo), cientificismo materialismo. Desse modo, podemos dizer que a Revolução Copernicana transferiu o centro do universo da Terra, não para o sol, mas para o umbigo humano.
                O "sujeito do conhecimento", nome atribuido a este ser supostamente "onipotente" criado pela Modernidade, prostrou o mundo a seus pés colocando-se na posição de dominador, aquiteto e senhor da Terra. Desprovido de recursos naturais que garantissem o sucesso de tal empreitada o sujeito do conhecimento logo muniu-se de máquinas, indústrias e todos os instrumentos que a racionalidade cinetífica pudesse gerar, toda técnica e tecnologia, que se apresentam como garras vorazes sedentas em devorar parasitariamente cada gota do planeta.
                Neste sentido, o projeto da Modernidade e o advento da mentalidade científica, gerada a partir da negação da mentalidade religiosa do medievo, desembocaram no caos individual, social, e planetário. O caos, por sua vez, é símbolo e metáfora (desde a era mitológica) de dois movimentos possíeis: a destruição e o aniquilamento definitivos ou a geração de uma nova ordem. Minha humana condição, apoiada em seu instinto de sobrevivência, e minha limitada razão, fundamentada em pensadores maiores do que eu (cito aqui sobretudo fritjof Kapra que, com seu livro " A teia da vida" motivou esta reflexão), me fazem acreditar que do caos atual podem brotar belas flores e fazer germinar uma nova mentalidade, a mentalidade sistêmica.
                Enquanto a mentalidade científica moderna se estrutura a partir de um processo de ruptura em relação a mentalidade medieval, a mentalidade sistêmica, por outro lado, representa muito mais uma transcendência e uma ampliação da mentalidade moderna do que propriamente uma ruptura, é uma mudança de paradigma operada pela transvaloração dos sentidos da modernidade e do Iluminismo. As bases científicas e racionais são mantidas, mas ampliadas e colocadas em um novo eixo. O umbigo dourado, super-valorizado e alienado do sujeito do conhecimento, é transferido para o cordão umbilical e para o ventre materno de Gaia, a terra-mãe. As faculdades de entendimento e conhecimento transcendem o indivíduo e invadem a esfera pública das relações, a inteligência é, por excelência, relacional, é o logos reassumindo o espaço da praça, contudo, a praça não é mais da pólis, mas do planeta. Sociologicamente a única estrutura que perdurou com o passar do tempo e sobreviveu a todas as revoluções e transformações foi a família, e ela está preservada na mentalidade sistêmica, no entanto, a família nuclear (sede e fundamento da preservação da espécie) é potencializada na compreensão da família planetária. Não faz mais qualquer sentido pensarmos em termos de indivíduo, de cidade, etnia ou raça ou mesmo de Estado, é chegado o momento de a humanidade conquistar e assumir a sua maioridade e se pensar enquanto família humana e como a sobrevivência desta depende de uma realidade orgânica e vital mais ampla é preciso se pensar família planetária.
                O logos teve o seu tempo e expressou os anseios humanos da polis, Deus e a mentalidade religiosa teve o seu tempo e acabou traído (como Judas ao menos no Ocidente) pelas humanas interpretações, o indivíduo teve o seu tempo e dominou, transformou, subjugou, até colocar a vida em colapso sob os pés da ganância e do egoísmo humano. Agora, é tempo de inaugurar um tempo fora e além do tempo, em que as cidades, Deus (em seus diversos nomes e versões, Krishna, Cristo, Buda, Alah ... ou como queiram chamar) e também os indivíduos tenham vez e voz na construção de uma nova ordem planetária fundamentada no amor fraterno e no respeito mútuo de todas as formas de vida, e em que todos os seres e todas as formas de vida se compreendam como membros e irmãos de uma única família, a família planetária.

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