Nova ordem
Luciano Palm


Se
pensarmos a vida espiritual e cultural do modo mais amplo possível, veremos que
nada a caracteriza mais fielmente do que a mudança, a transformação. poderíamos
caracterizar o processo vital como uma metamorfose- Não, pelo menos não como o
pensaremos aqui, pois a metamorfose implica a transformação de um organismo em
algo radicalmente diferente do que era antes, como ocorre com os sapos e
borboletas no reino animal. Com a vida espiritual e cultural ocorre algo
diverso, as transformações que marcam este processo vital, ampliam ou estreitam
as visões de mundo, mas jamais abandonam as fronteiras da cultura, jamais
deixam de ser expressão da espiritualidade humana (mesmo as metamorfoses
poderiam ser incluídas nesta perspectiva, se incluíssemos o reino animal em
nossa reflexão).
Durante
a história da humanidade podemos observar várias revoluções de pensamento,
mudanças de paradigmas (o modo como nos referimos a este fenômeno depende do
fundamento teórico que assumirmos), isto é,
acontecimentos e descobertas que mudaram a forma do ser humano
compreender a si mesmo e o mundo. destas revoluções, interessa-nos sobretudo a
chamada Revolução Copernicana, operada no Renascimento por Kepler, Copérnico e
Galileu, que mudaram o eixo da compreensão cosmológica da Terra (Geocentrismo)
para o sol (Heliocentrismo). Na esteira desta revolução foram lançadas as
condições para a edificação de um novo mundo, científico, indústrial e urbano.
a visão do mundo inaugurada no Renascimento e amadurecida na Modernidade teve
longo fôlego, seu ápice pode ser situado no Iluminismo (Esclarecimento
dependendo da compreensão ou tradução), mas suas marcas ainda podem ser
observadas em nossa civilização digital e cibernética, antropocentrismo
exacerbado (egoísmo), cientificismo materialismo. Desse modo, podemos dizer que
a Revolução Copernicana transferiu o centro do universo da Terra, não para o
sol, mas para o umbigo humano.

O
"sujeito do conhecimento", nome atribuido a este ser supostamente
"onipotente" criado pela Modernidade, prostrou o mundo a seus pés
colocando-se na posição de dominador, aquiteto e senhor da Terra. Desprovido de
recursos naturais que garantissem o sucesso de tal empreitada o sujeito do
conhecimento logo muniu-se de máquinas, indústrias e todos os instrumentos que
a racionalidade cinetífica pudesse gerar, toda técnica e tecnologia, que se
apresentam como garras vorazes sedentas em devorar parasitariamente cada gota
do planeta.
Neste
sentido, o projeto da Modernidade e o advento da mentalidade científica, gerada
a partir da negação da mentalidade religiosa do medievo, desembocaram no caos
individual, social, e planetário. O caos, por sua vez, é símbolo e metáfora
(desde a era mitológica) de dois movimentos possíeis: a destruição e o
aniquilamento definitivos ou a geração de uma nova ordem. Minha humana
condição, apoiada em seu instinto de sobrevivência, e minha limitada razão,
fundamentada em pensadores maiores do que eu (cito aqui sobretudo fritjof Kapra
que, com seu livro " A teia da vida" motivou esta reflexão), me fazem
acreditar que do caos atual podem brotar belas flores e fazer germinar uma nova
mentalidade, a mentalidade sistêmica.

Enquanto
a mentalidade científica moderna se estrutura a partir de um processo de
ruptura em relação a mentalidade medieval, a mentalidade sistêmica, por outro
lado, representa muito mais uma transcendência e uma ampliação da mentalidade
moderna do que propriamente uma ruptura, é uma mudança de paradigma operada
pela transvaloração dos sentidos da modernidade e do Iluminismo. As bases
científicas e racionais são mantidas, mas ampliadas e colocadas em um novo
eixo. O umbigo dourado, super-valorizado e alienado do sujeito do conhecimento,
é transferido para o cordão umbilical e para o ventre materno de Gaia, a
terra-mãe. As faculdades de entendimento e conhecimento transcendem o indivíduo
e invadem a esfera pública das relações, a inteligência é, por excelência,
relacional, é o logos reassumindo o espaço da praça, contudo, a praça não é
mais da pólis, mas do planeta. Sociologicamente a única estrutura que perdurou
com o passar do tempo e sobreviveu a todas as revoluções e transformações foi a
família, e ela está preservada na mentalidade sistêmica, no entanto, a família
nuclear (sede e fundamento da preservação da espécie) é potencializada na
compreensão da família planetária. Não faz mais qualquer sentido pensarmos em
termos de indivíduo, de cidade, etnia ou raça ou mesmo de Estado, é chegado o
momento de a humanidade conquistar e assumir a sua maioridade e se pensar
enquanto família humana e como a sobrevivência desta depende de uma realidade
orgânica e vital mais ampla é preciso se pensar família planetária.
O
logos teve o seu tempo e expressou os anseios humanos da polis, Deus e a
mentalidade religiosa teve o seu tempo e acabou traído (como Judas ao menos no
Ocidente) pelas humanas interpretações, o indivíduo teve o seu tempo e dominou,
transformou, subjugou, até colocar a vida em colapso sob os pés da ganância e
do egoísmo humano. Agora, é tempo de inaugurar um tempo fora e além do tempo,
em que as cidades, Deus (em seus diversos nomes e versões, Krishna, Cristo,
Buda, Alah ... ou como queiram chamar) e também os indivíduos tenham vez e voz
na construção de uma nova ordem planetária fundamentada no amor fraterno e no
respeito mútuo de todas as formas de vida, e em que todos os seres e todas as
formas de vida se compreendam como membros e irmãos de uma única família, a
família planetária.
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