Panis Et Circenses
Luciano Palm
A
expressão latina panis et circenses
(pão e circo) era o lema dos imperadores da antiga Roma no que se referia ao
seu tratamento das políticas públicas. Além do legado jurídico romano, o lema
dos antigos imperadores também atravessou os tempos e permanece com intensa
vivacidade na cultura ocidental contemporânea. Nossa sociedade esta voltada
para a dispersão, todas as placas, luzes e holofotes induzem nossa atenção para
fora, a realidade exterior se apresenta com tanta ênfase que o nosso dentro (o
íntimo de nossos seres, a essência do que somos) parece estar fora, bailando no
ar da impessoalidade.
Ao
prestarmos atenção nos discursos cotidianos, veremos um EU, maiúsculo e
insistente, ecoando sem parar nas bocas das pessoas. Mas na sociedade do
espetáculo, no circo do parecer ser,
mesmo a primeira pessoa do singular (eu) é terceirizada, é oca, sem conteúdo ou
essência. O ritmo frenético da vida contemporânea, com seus excessivos apelos
visuais e sonoros, aos quais somos submetidos diariamente cria um véu de maia,
uma nuvem de poeira, que nos cega de tanto vermos e nos ensurdece de tanto
ouvirmos. Há um oceano de informações e uma fonte seca de ideias e
conhecimentos, a riqueza de estímulos externos contrasta com um imaginário
miserável, somos pobres de tanto ter, nunca tivemos tantas coisas, nunca
produzimos tanto, em contra-partida somos mendigos de nós mesmos, nos
conhecemos tanto quanto nosso espelho que reflete uma imagem superficial e
vazia. Chegamos ao absurdo de falarmos em humanização do ser humano, eis o
maior paradoxo da atualidade.

E
esse verdadeiro circo dos horrores começa a ser armado desde a mais tenra
infância, quando pais super-atarefados inundam o berço de seus filhos com
chocalhos, “penduricos”, brinquedos luminosos e sonoros de toda ordem, para que
suas crianças fiquem quietas e ocupadas, quando na verdade ficam ansiosas e
inseguras, indecisas ao escolher entre tantas tralhas que lhes são oferecidas.
Um pouco mai adiante, quando o aparelho visual e auditivo destas mesmas
crianças está mais estruturado e em franco desenvolvimento, para que as
crianças não “importunem” seus pais com suas naturais e espontâneas dúvidas e
perguntas, elas são socadas diante de um aparelho de TV e posteriormente
mergulhados no universo dos jogos eletrônicos que, em geral, estimulam o
desenvolvimento de um comportamento agressivo e uma mentalidade descartável,
pois, não vencendo é só começar de novo, e assim sucessivas vezes, até que
todas as fases do jogo sejam superadas.
Desse
modo, incapazes de educar seus filhos e fornecer-lhes valores sólidos e
positivos, as famílias terceirizam a educação de suas crianças,
introduzindo-as, cada vez mais cedo, nos ambientes escolares. Nestes, as
crianças encontram-se sob a tutela de professores (bem intencionados é verdade,
que assim como os pais que, apesar de “não terem tempo”, querem sempre o melhor
para suas crianças) estressados e oprimidos por uma carga horária de trabalho
desumana, turmas excessivamente numerosas, o que impossibilita que dê a atenção
necessária a cada pequeno (mas complexo) ser humano que está a sua frente, além
de completamente desmotivados pela desvalorização social, cultural e financeira
de sua fundamental mas esquecida profissão.

A atenção dos
estudantes, na sequência de sua vida escolar, funciona no ritmo da programação
televisiva, 3 minutos de atenção focada e 7 minutos de “intervalo”, o que não
diferente do restante da população. O toma lá, dá cá dos jogos de vídeo-game
permanece no jogo social, pais culpam os professores por seu fracasso na
educação de seus filhos, professores culpam os estudantes por seu fracasso
pedagógico e estudantes culpam pais e professores por sua incapacidade criativa
em escapar da escravidão mental na qual estão atolados até o pescoço. De modo
extremamente hipócrita, todos fazemos enorme alvoroço, quando ouvimos as
notícias de um indivíduo desesperado e fora de controle (produto do sistema
social) que invadiu uma escola ou universidade com uma arma em punho e ceifou a
vida de vários inocentes, ou a notícia de um louco desvairado que assassinou
várias pessoas porque não simpatizava com a cor de sua pele ou sua opção
sexual, ou outro destes absurdos com os quais já estranhamente nos acostumamos
e naturalizamos. Contudo, não nos esqueçamos jamais que a violência e a
crueldade não passam de conseqüências lógicas da injustiça sistemática a qual
diariamente todos nós estamos submetidos, somos algozes de nossos próprios
destinos, padecemos porque não temos coragem de assumir as rédeas de nossas existências
em nossas próprias mãos. Até quando permitiremos que o absurdo seja a lógica
sob a qual nossas existências se edificam (ou se consomem como poeira que se
dissipa no vácuo)? Até quando senhoras e senhores? Até quando? Já basta, um
pouco de lucidez, equilíbrio, juízo, consciência e bom-senso, por favor!
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