AS PORTAS DA PERCEPÇÃO
(Sentir, sem sentir, sentindo)
Luciano Palm
(Sentir, sem sentir, sentindo)
Luciano Palm
Dos cinco sentidos, apenas o paladar, o olfato e a audição já estão em pleno funcionamento desde o nascimento do ser humano. Enquanto a visão e o tato ainda se encontram, por assim dizer, em estado de dormência e só se desenvolvem com o passar do tempo; os outros sentidos são como a respiração, ao primeiro sopro de vida já estão ali, atentos, receptivos e ativos ao que se passa em volta e na interioridade daquele que respira, ouve, sente gostos e cheiros. Eis o princípio da formação do ser humano.
Certamente, não há dúvida de que a audição, o paladar e o olfato também se desenvolvam e se aprimorem ao longo da jornada, mas desde o início, já cumprem suas funções vitais (o mesmo não é possível dizer da visão e do tato). No princípio, somos todos pura audição, paladar e olfato, está é, durante algum tempo, a única ponte de ligação entre o ser humano e o mundo (ao qual fomos lançados, como diz Heidegger, sem consulta prévia e sem dar nosso consentimento).
O estranhamento, o desconforto, os gostos e desgostos que marcam a existência humana , assim como, o processo de infinita descoberta e desvelamento do mundo, encontram nestes três sentidos (audição, paladar e olfato) o seu princípio fundamental. Contudo, dentre eles, acredito que a audição tenha um status privilegiado em relação aos demais sentidos. Pois, enquanto o paladar e o olfato, em geral, se encontram relacionados a nossa animalidade e nossas necessidades biológicas de sobrevivência; a audição se vê livre desta amarra, com ela nos desprendemos do atoleiro da animalidade para dar princípio a formação de nossa humanidade propriamente dita, nossa racionalidade e nossa psiquê tem na audição o fundamento para a edificação da espiritualidade humana.
Não nascemos sabendo falar, mas nascemos sabendo ouvir. Aprende-se mais ouvindo, porque foi ouvindo que aprendemos a aprender. Os significados, as palavras e os conceitos são tentativas sempre frustradas de buscar dizer o que se sente e se percebe na experiência da existência. De todo modo, são apenas o resultado posterior do inaudito, do silêncio sentido e vivido a flor da pele, daquela ebulição primordial dos estados de ânimo (que, em grande medida, continuarão a ditar o ritmo da vida na existência humana posterior).
O que são as palavras e conceitos, senão apenas símbolos para as coisas internas e externas? Assim também a razão é apenas um símbolo para o inaudito. O som e a forma, as palavras e as coisas têm uma relação íntima da qual brota nossa compreensão de mundo. Nosso modo de ser e de compreender o mundo e a nós mesmos.
Sim, concordo, é ouvindo que se aprende efetivamente uma outra lingua. Apesar da importância da audiçao, atualmente, valorizamos a visao. Nos agrada a aparência, por isso a preocupaçao com o aparecer ser maior do que com o ser. Parece que perdemos a sensibilidade da audiçao. O que fizemos quando visitamos um novo lugar? registramos imediatamente a imagem e dificilmente prestamos atençao ao seus sons. O que desperta em nòs o interesse é o que é belo ou agradàvel aos olhos. E assim vamos vivendo como escravos do que é exterior e incapazes de ouvir o que clama em nosso interior.
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